Perda da Amazônia traz prejuízos à economia e impacta clima e regime de chuvas

André Cran/Folhapress
Vista aérea de queimada na Floresta Amazônica

Secas intensas, recordes de temperaturas, incêndios florestais em profusão em diferentes regiões do mundo: os efeitos das mudanças climáticas já ocorrem na prática e levam a um cenário de destruição da biodiversidade, aumento da poluição do ar e piora da qualidade de vida em várias partes do planeta.

O Brasil não foge à regra: o país assiste ao aumento das queimadas e do desmatamento na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. Além do fator climático, que resultou na pior seca dos últimos 60 anos no Centro-Oeste, o fogo saiu do controle e vem dizimando milhares de hectares de mata nativa brasileira.

"A seca severa e as temperaturas extremas são os elementos que vêm das mudanças climáticas e tornam a vegetação mais inflamável. Os cientistas projetavam isso para daqui a 15 anos, mas houve uma antecipação dessa relação entre o clima e os incêndios florestais", disse o pesquisador e climatologista Carlos Nobre, doutor pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA) e membro da Academia Brasileira de Ciências.

Nobre participou de live com a ativista ambiental Angela Mendes, coordenadora do Comitê Chico Mendes, e Nayara Almeida, ativista do grupo Engajamundo. O encontro foi produzido pelo Estúdio Folha em parceria com a Natura, empresa que há 20 anos impulsiona o desenvolvimento das comunidades locais da Amazônia e ajuda na conservação de 1,8 milhão de hectares.

No evento, o pesquisador da Academia Brasileira de Ciências afirmou que, se a temperatura global subir 2ºC conforme as previsões do IPCC (painel do clima das Nações Unidas), o impacto sobre as florestas em regiões secas será imenso, com o risco de esses ecossistemas desaparecerem em 30 anos.

No caso das florestas úmidas, André Cran/Folhapress Vista aérea de queimada na Floresta Amazônica como é a Amazônia, um dos efeitos seria o fim do fenômeno dos rios voadores, correntes de ar que carregam a umidade da Bacia Amazônica e provocam chuvas no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, como também nos países vizinhos. "As mudanças climáticas trazem um risco muito maior do que foi estimado há dez anos", disse Nobre. Além dos impactos no clima e no regime de chuvas, a perda da Floresta Amazônica causaria prejuízos para indústrias importantes, como as de fármacos, alimentos e cosméticos, já que a biodiversidade abriga componentes fundamentais para a produção de remédios que podem salvar vidas.

"SAVANIZAÇÃO"

Na live, a ativista ambiental Angela Mendes, coordenadora do Comitê Chico Mendes e filha do líder seringueiro morto em 1988 que dá o nome à entidade, avaliou que a valorização das atividades agroflorestais e do conhecimento das populações tradicionais é a saída para evitar a chamada "savanização" da Amazônia.

O bioma já perdeu quase 20% de sua cobertura original, e os cientistas afirmam que, se exceder a 25%, será um ponto de inflexão para a floresta. Só no período entre agosto de 2019 e julho de 2020, a alta no desmatamento foi de 34%. "O momento crítico da Amazônia está se aproximando de forma acelerada. Precisamos de soluções que, potencializadas, poderiam transformar essa realidade", afirmou Angela.

Para a especialista, atividades econômicas que hoje contribuem para a degradação da floresta, como a criação de gado e a mineração, beneficiam apenas um segmento da sociedade. "Meu pai era um visionário que há 30 anos defendia a valorização da floresta em pé. Hoje, precisamos de um novo olhar, que não veja a Amazônia apenas como fonte de matérias-primas", disse a ativista.

Chico Mendes (1944-1988) defendia um modelo de desenvolvimento que preservasse a floresta, amparado nos conhecimentos de mais de 180 etnias de povos indígenas e outras populações tradicionais da Amazônia. O legado do seringueiro pode ser visto em iniciativas de fomento às cadeias produtivas sustentáveis na Amazônia e que buscam agregar valor ao produto.

Exemplos disso são o látex do Acre, que hoje é beneficiado localmente, com parte da produção adquirida por uma empresa francesa de calçados, e o pirarucu manejado na reserva extrativista do Médio Juruá, no Amazonas. "Com uma gestão organizada, é possível trabalhar de outra forma na Amazônia, unindo tecnologia e justiça social", declarou Angela.

EDUCAR E INFORMAR

O fato de a Floresta Amazônica estar distante geograficamente e longe da realidade de mais de 150 milhões de brasileiros contribui para a desconexão das pessoas com o bioma. A solução passa por levar educação e informação sobre o tema, especialmente para os jovens.

Essa é a opinião de Nayara Almeida, ativista do grupo Engajamundo e responsável por articular no Brasil o movimento "Fridays for Future", criado pela estudante e ativista sueca Greta Thumberg. "É preciso conectar a Amazônia ao dia a dia dos brasileiros, e isso inclui os que estão na base, nas periferias", afirmou Nayara.

Para a integrante do Engajamundo, o consumo é uma das ferramentas que as pessoas podem utilizar para incentivar as cadeias produtivas sustentáveis da região.

De acordo com a ativista, o boicote a produtos ou empresas que podem estar envolvidas com o desmatamento ilegal é uma bandeira de muitos grupos, mas esbarra na falta de clareza das informações, já que faltam ferramentas de rastreabilidade no mercado.

"É preciso ter clareza sobre o que seria um produto originário do desmatamento, já que existem produtos que vêm da Amazônia e não causam destruição", declarou Nayara.

Outra saída que Nayara vislumbra é por meio da política, com mais jovens se elegendo a partir de bandeiras como a preservação da biodiversidade, o acesso à educação e a justiça social. "No Brasil, temos muita coisa para lutar ao mesmo tempo, muitos de nós não temos acesso à escola ainda. Temos que discutir mudanças climáticas, mas também questões de raça, de gênero", disse.

"AMAZÔNIA 4.0"

Ainda durante a live, o pesquisador Nobre reforçou a necessidade de avançar rumo a um modelo econômico para a região amazônica em que seja possível gerar riqueza com a floresta em pé.

Um dos projetos nessa direção é o Amazônia 4.0, que tem o objetivo de criar um ecossistema de inovação em núcleos descentralizados na região, unindo tecnologias modernas, da chamada indústria 4.0, ao conhecimento tradicional dos povos amazônicos para produzir bens e serviços.

Capitaneado por Nobre, o projeto está ancorado no Instituto de Estudos Avançados da USP e tem parceiros como a Universidade do Estado do Amazonas, Universidade Federal do Pará, ONGs e centros de empreendedorismo.

O projeto Amazônia 4.0 também prevê a construção de um laboratório de genômica e a capacitação de indígenas e outros jovens da região no sequenciamento do genoma das espécies amazônicas.

O ponto de partida é agregar valor aos produtos da floresta em um modelo baseado na bioeconomia, com a instalação de unidades móveis, os Laboratórios Criativos, que serão construídos em comunidades.

O primeiro deles, instalado no município de Belterra, no Pará, vai incorporar tecnologias para a cadeia produtiva do cacau e do cupuaçu. Outros laboratórios terão como foco a castanha, o açaí e quatro azeites de origem amazônica.

Segundo Nobre, cada hectare de um sistema agroflorestal como o do açaí, castanha ou cacau gera de cinco a dez vezes mais riqueza do que um hectare de pecuária, além de ser de duas a cinco vezes mais rentável do que um hectare de soja.

De acordo com o pesquisador, o açaí, sozinho, gera US$ 1 bilhão para a economia da Amazônia por ano e já permitiu a melhoria nas condições de vida de 300 mil moradores da região, que saíram da classe E para as classes D e C.

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