Os desafios da recuperação econômica no pós-pandemia abrem uma oportunidade para o país reorganizar o sistema tributário com o objetivo de viabilizar investimentos e criar empregos, além de ampliar sua competitividade e inserção no comércio internacional.
A conclusão, unânime entre os participantes do seminário Indústria em Debate - Custo Brasil e Reforma Tributária, promovido pela Folha em parceria com a CNI (Confederação Nacional da Indústria) na semana passada, reforça a ideia de aglutinar a primeira fase do projeto de reforma tributária encaminhada pelo governo federal com as duas propostas de emenda constitucional (PEC) em tramitação no Congresso - PECs 45, da Câmara, e 110, do Senado- para criar um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado ou Agregado, como definem alguns especialistas) federal que substitua todos os tributos incidentes sobre o consumo.
Patrocinado pelo Sesi e pelo Senai, o debate teve a participação do economista Affonso Celso Pastore, presidente do Centro de Debates de Políticas Públicas e ex-presidente do Banco Central, do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia(DEM-RJ), do relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PE), além do presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, e do vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), José Ricardo Roriz Coelho.
"O projeto do governo vai na mesma linha da PEC45, é a mesma estrutura, apenas foca nos impostos federais, já que o ministro Paulo Guedes (Economia) entende que não deve entrar na questão da Federação, que é um problema que o Congresso deveria tratar. Então, nós vamos tratar", afirmou Maia. "APEC vai ser uma revolução na economia brasileira", completou.
Na visão do presidente da Câmara, a pandemia de Covid-19 gerou uma pressão para discutir como o Estado brasileiro arrecada e emprega seus recursos, além da qualidade dos serviços prestados. "É muito importante que a gente possa fazer a introdução do debate da reforma tributária de bens e serviços para que a gente não erre. Tem que desonerara folha? Qual o formato? Vamos desonerar a folha, mas vamos criar um imposto novo? Lembro que já desoneramos a folha no governo Dilma e que isso não gerou um único emprego no Brasil", disse Maia.
O presidente da Câmara também refutou a criação de um imposto incidente sobre as movimentações financeiras, como a antiga CPMF. Para ele, essa não é uma solução, já que a cobrança é cumulativa, faz a economia parar de crescer e pesa sobre os mais pobres. "Daqui a pouco vão inventar um nome em inglês para ficar mais bonito, para que a sociedade aceite. A sociedade não quer mais impostos. Na minha opinião, não passa. Voto contra."
Para o presidente da CNI, um dos maiores entraves para a expansão da economia é a alta carga tributária. Ele defendeu uma reforma tributária em benefício do país, despida de interesses setoriais. "Se avançarmos na questão da carga e na burocracia tributária, vamos dar um salto muito grande para que o Brasil possa enfrentar esse futuro pós-pandemia", disse Andrade. Estados e municípios que temem perder receita com a reforma tributária, argumentou Andrade, deveriam pensar que a arrecadação aumentará com o crescimento da economia resultante da reforma.
IVA 5.0
O relator da comissão mista da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro, lembrou que o Congresso trabalha há 32 anos para fazer uma reforma que corrija distorções, traga segurança jurídica e promova o que chama de "justiça tributária".
Para que isso finalmente ocorra, defendeu a instituição de um IVA nacional, que unifique cinco impostos existentes hoje sobre o consumo: PIS, Cofins, IPI, ICMS e IOF. "Estou chamando de IVA 5.0, entrando na comparação com o 5G. Um IVA que tenha modernidade e transparência", disse.
O IVA vai incidir de forma transparente sobre bens e serviços e será tributado no local em que o produto é consumido ou o serviço utilizado-diferentemente do ICMS, que é tributado"por dentro"(incide sobre ele mesmo) e no estado de origem, estimulando a chamada guerra fiscal e levando a uma série de créditos tributários de difícil compensação. "Nosso regime é um regime de exceções e não de regras", disse o relator da reforma.
"O imposto é cobrado por dentro, portanto é cumulativo e obscuro. Você não sabe quanto está pagando. Nós vamos, nessa reforma tributária, trazer o que é oculto para a forma aparente, para que as pessoas, de forma transparente, possam saber de fato o quanto pagam", afirmou Ribeiro.
O presidente da Câmara admitiu que a alíquota do novo imposto unificado poderá ser considerada elevada. "A alíquota é alta porque o Estado custa muito no Brasil. Pela primeira vez o cidadão vai ter uma noção de quanto ele, de fato, paga de imposto sobre o consumo no Brasil, de forma clara", disse.
TRAMITAÇÃO
Maia afirma estar otimista com o avanço da reforma tributária no Congresso, que vem amadurecendo o debate em torno das reformas econômicas pelo menos desde o governo Michel Temer.
Ele acredita que deputados e senadores tenham fôlego para aprovar temas estruturantes, como a reforma tributária, até meados de 2021, quando começa a disputa pela sucessão do governo.
Para ele, é fundamental a construção de um consenso cada vez maior sobre a necessidade de revisão da estrutura tributária, com, inclusive, o apoio dos partidos de esquerda. "A maioria dos governadores entendeu que só teve a perder com a guerra fiscal. Falta fechar com os prefeitos das capitais. São eles que ainda não estão convencidos da importância de um IVA nacional", disse.
O presidente da Câmara acredita que talvez não seja preciso fatiar a reforma em diferentes fases para facilitar a aprovação. "Se nós tivermos votos, apoio e convergência dos prefeitos e governadores para já incluí-los na primeira votação, por que fazer duas?", disse.
Para diminuir eventuais resistências, o relator da reforma afirmou que pretende tornar explícito que a mudança não elevará o nível de impostos. "Se depender de mim, abrirei o relatório colocando no primeiro capítulo que não haverá aumento de carga tributária. Esse é um ponto de que tenho convicção num país em que você precisa corrigir distorções", afirmou.
"Só o crescimento vai fazer com que nós tenhamos recursos para que estados e municípios tenham condições de investir, de se desenvolver e de ter melhor educação", afirmou Robson Braga de Andrade, da CNI.
O vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e presidente da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), José Ricardo Roriz Coelho, afirmou que é preciso resolver com urgência a questão do Custo Brasil para melhorar as condições de competitividade das empresas nacionais no mercado global. "Se não atacarmos o Custo Brasil de maneira consistente e rápida, os investimentos não virão", afirmou, durante o seminário Indústria em Debate - Custo Brasil e Reforma Tributária, promovido pela Folha em parceria coma CNI. "A reforma tributária é necessária para o Brasil atrair investimentos e voltar a crescer", disse.
"Nossa prioridade deve ser resolver a questão do Custo Brasil, que afugenta os investimentos que precisam vir para modernizar e incorporar novas tecnologias que formam a chamada indústria 4.0. Vários países passaram muito à nossa frente na adoção dessas tecnologias, que entram com uma velocidade muito grande, enquanto ficamos um bom tempo sem crescer e investir", afirmou.
De acordo com Roriz Coelho, é necessário ainda apostar em inovação e em tecnologia para contornaras desvantagens estruturais do país. "Os custos elevados, a baixa qualidade logística, a infraestrutura deficiente de telecomunicações, de energia e de saneamento, entre outros, resultam em um custo anual entre R$ 190 bilhões e R$ 230 bilhões", disse.
Segundo Coelho, os problemas não são novos,e o Brasil já vinha em desvantagem no mercado internacional muito antes da pandemia de Covid-19. "Desde 2014, operamos com taxas de crescimento negativas. Nosso nível de renda voltou ao de 15 anos atrás. Quando olhamos para alguns países que há muito tempo tinham renda igual à do Brasil e que conseguiram dobrar a renda perca pita e,finalmente, entrar no grupo dos países em desenvolvimento, vemos que eles têm duas grandes coincidências: o investimento acima de 20% do PIB - com alguns países próximos a 30%. A outra é a participação da indústria no PIB - de cerca de 20% a 25%, alguns até mais."
O acesso ao crédito é outro ponto levantado pelo empresário e que também consta de estudos recentes de competitividade e Custo Brasil. "Sabemos que, no Brasil, cinco bancos concentram 82% de todo o crédito concedido. Desse total, 64% vão para o governo. Só 36% estão disponíveis para o setor privado, e em condições de spread bancário muito maior do que as empresas têm lá fora", completou.
Para atrair investimentos que impulsionem a retomada do crescimento, é preciso eliminar os principais entraves que afastam o capital. "Muitos deles precisam de reformas estruturantes na administração do país. A criação e geração de empregos passa pela agilidade das reformas", afirmou Roriz.
O empresário alertou para outra questão que dificulta bastante a atração do investidor estrangeiro. "Quem vem de fora leva mais de 10 anos para conhecer o sistema tributário. Nem os brasileiros conhecem. E esse é mais um impedimento para atrair o capital estrangeiro. A maioria dos países conhece o IVA (Imposto de Valor Agregado).Se caminharmos na direção da aprovação da PEC-45, estaremos na direção do que todos lá fora conhecem", concluiu.
O economista e ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore defendeu durante o seminário Indústria em Debate - Custo Brasil e Reforma Tributária a urgente necessidade de uma reforma tributária para frear o processo de desindustrialização pelo qual passa o Brasil.
"A indústria brasileira, que até 2006 vinha acompanhando o mesmo ritmo de crescimento do PIB (soma das riquezas produzidas no país), está perdendo importância na economia do país. Enquanto isso, no mundo inteiro, a produção industrial não parou de subir. Ela estagnou no Brasil e na América Latina, pois o país tem um peso grande na economia latino-americana", afirmou.
Segundo Pastore, a desaceleração do crescimento chinês e a desvalorização do real desenharam um quadro de recessão agravado pelo Custo Brasil. "A crise de 2008 e a recessão de 2014 afetaram significativamente o setor industrial. Estamos assistindo a um processo precoce de desindustrialização no país. O setor não tem conseguido se recuperar, por isso é urgente a adoção de medidas para solucionar esse problema."
Questões relativas à elevada taxa de juros e ao câmbio desfavorável, que antes atrapalhavam a indústria, estão equacionadas, mas, de acordo com o economista, o problema do setor está longe de ter sido resolvido. "O Custo Brasil e, principalmente, a questão tributária, continuam dificultando as exportações. Isso é ruim para o país, pois as indústrias que exportam costumam ser muito mais eficientes e competitivas", disse Pastore.
Para o economista, a reforma tributária deverá corrigir as distorções que foram acumuladas ao longo de décadas. "Unir tributos como IPI, ICMS, PIS, Cofins e ISS em uma única alíquota federal por meio de um Imposto sobre Valor Agregado, cobrado no ponto de destino do produto, é uma boa solução. Temos uma oportunidade de fazer uma reforma tributária revolucionária para a indústria e para o crescimento econômico", disse.
O ex-presidente do BC afirmou que uma das maiores distorções que afetam a competitividade da indústria é o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). "A ideia original era boa. Quando foi criado, em 1966, tinha a função de ser um imposto sobre valor adicionado, mas se descaracterizou."
Hoje, o ICMS induz a vários erros, sendo o principal, disse Pastore, ofato de ser coletado na origem, onde o bem é produzido. Isso causa cobrança em cascata, guerra fiscal entre estados e inviabiliza a recuperação de créditos. Além disso, muitas dessas empresas passam a produzir distante de portos, dos centros consumidores, aumentando custos como, por exemplo, de logística, prejudicando ainda mais a competitividade.
Segundo Pastore, a reforma tributária deve ainda permitir que as empresas recuperem todos os créditos que incidiram nas fases de processamento do produto. Também é importante isentar o produto exportado do imposto sobre bens e serviços. "O que o país precisa é de uma reforma tributária corajosa sobre bens e serviços que introduz a um IVA verdadeiro, com alíquota única, que seja cobrado no destino do bem e não na sua origem. Isso colocaria um ponto final no estímulo à guerra tributária e fiscal entre os estados", afirmou Pastore.