O espetáculo francês "Celui qui Tombe - Aquele que Cai" abriu a 28ª edição do Festival de Teatro de Curitiba revelando seu cerne: um evento político, poético, atraente e realmente para todos.
Trata-se de uma performance realizada sobre uma plataforma de madeira de seis metros por seis metros. Ela se movimenta constantemente _sobe, desce, inclina, gira, balança, chegando a ficar suspensa a dois metros de altura. E é sobre ela que cinco bailarinos tentam manter o equilíbrio enquanto andam, correm, se seguram e tentam não cair.
"'Aquele que Cai' é uma das montagens mais surpreendentes da Europa dos últimos anos. Em muitos momentos seremos aquele que cai ou aqueles que caem. Mas aquele que cai também é aquele que se levanta, pois é inevitável continuar. A glória não é nunca cair, mas sim levantar sempre", diz Leandro Knopfholtz, diretor do festival.
Para quem não fala francês, não há nenhum impedimento, já que o espetáculo é completamente baseado na linguagem e na expressão corporal. As músicas ajudam a ambientar as situações mostradas em cena, mas muitas vezes é o silêncio que dá o tom. A interpretação fica por conta da plateia, mas parece difícil não associar a plataforma à vida e aos esforços, às dificuldades, às conquistas, aos tombos e às recuperações com trajetórias, escolhas e suas consequências.
"Depois de ter passado pelo circo, pela dança e pela música, o meu trabalho teatral pode ser hoje considerado uma desconstrução de todos os seus elementos materiais (texto, luzes, ações, figurinos, som) e a experimentação de novas relações entre esses elementos", explica Yoann Bourgeois, premiado coreógrafo, bailarino e acrobata francês e criador do espetáculo. "Celui qui Tombe - Aquele que Cai" fez na mostra sua estreia no Brasil na abertura do festival, onde será exibido ainda no dia 27 de março. A seguir, passará por Belo Horizonte e São Paulo.
LADO FEMININO
Em montagem brasileira, "As Comadres" (27 e 28 de março) também representa a internacionalidade do Festival de Teatro de Curitiba. O espetáculo, que faz sua estreia no evento, tem como base um musical francês de René Richard, que, por sua vez, nasceu de um texto dramatúrgico canadense de Michel Tremblay ("Les Belles-surs"). No Brasil, ganhou a supervisão artística da francesa Ariane Mnouchkine, referência na cena teatral e diretora do Théâtre du Soleil desde 1964, que pela primeira vez dirige um espetáculo fora de seu país.
O elenco é todo feminino. Quando a personagem Germana ganha um milhão de selos premiados que precisam ser colados, convida vizinhas e parentes para ajudar. E, enquanto realizam a tarefa, essas mulheres conversam sobre temas de seus cotidianos, como marido, filhos, afazeres domésticos, trabalho... Questões hoje em destaque, como repressão e opressão feminina e desvalorização da mulher, são então levantadas nesse contexto.
Para Ariane, o texto é forte e dialoga com o Brasil atual. "Resisto a falar sobre o sentido que ele deve ter, porque não quero explicar algo que o público ainda não sabe, que o espetáculo é que deve contar. O programa, ou uma entrevista, não pode ser um manual para o público, não vou explicar o que deve sentir. É preciso ter coragem e humildade para dizer: aqui está o espetáculo, o que você sente com isso?", reflete.
A atriz Juliana Carneiro da Cunha, que faz parte do Théâtre du Soleil desde 1990, foi a responsável por a peça ter ganho uma montagem brasileira, já que foi seu desejo de voltar aos palcos do Brasil que deu início à empreitada. Foi então formado o grupo de atrizes da peça. "Esse grupo de mulheres é novo. Espero que essa peça seja agora repertório desse grupo", diz Ariane.
Com duas sessões no festival, "As Comadres" ainda deverá passar por outras cidades brasileiras entre os duas 12 de abril e 19 de maio.
Ato político
Sob o tema "A insurreição que vem", tomado emprestado de um livro francês que descreve a hipótese de um colapso do capitalismo, o festival deste ano promete tem forte viés político e social. De acordo com Guilherme Weber, curador do festival ao lado de Marcio Abreu, a ideia foi reunir peças que tivessem esse viés: "o festival promete apontar novos caminhos para o futuro", afirmou.
Nesse sentido, o evento também dá destaque a espetáculos que trabalhem a extinção dos limites entre dança, teatro, música e performance - "Aquele que Cai" não deixa dúvidas sobre as intenções da dupla -, além de abordar temáticas raciais e de gênero.
Presença feminina
Com cerca de 70% do seu quadro funcional composto por mulheres, o festival tem uma vasta programação com protagonismo feminino nesta edição. Além de "As Comadres", nos dias 27 e 28 de março, "Do Convento à Sala do Concerto" traz a soprano Gabriella Di Laccio para um recital de voz e piano apenas com obras de mulheres, em um repertório que abrange do medieval ao século 21, encerrando o espetáculo com música brasileira", afirma Gabriela. De acordo com a soprano, o mais difícil foi decidir o que não entraria no repertório, uma vez que em sua pesquisa encontrou mais de 6.000 mulheres compositoras de música clássica.
A programação segue nos outros dias com atrações como o musical "Elza", homenagem a Elza Soares, e "Recital da Onça", solo que marca a volta de Regina Casé aos palcos, além de "Navalha na Carne", em homenagem a Tônia Carrero, e "Para Não Morrer", espetáculo que estreou no festival em 2017 e neste ano rendeu o prêmio Shell de melhor atriz a Nena Inoue. "É um espetáculo sobre mulheres da resistência, que lutam pela liberdade. Fiz pensando que seria preferencialmente para mulheres, mas notei muitos homens indo assistir. Enfim tenho um espetáculo popular nas mãos", comemora a atriz.
Mesa-redonda
Algumas peças selecionadas terão debates após as apresentações, com a participação dos artistas e de críticos. A proposta é refletir sobre os caminhos do teatro contemporâneo e suas relações com o nosso contexto social, político e econômico.
Até o final do festival, em 7 de abril, 12 espetáculos promoverão debates dom o público. O primeiro deles é no dia 28 de março, na peça "Outros", do mineiro Grupo Galpão, no Teatro da Reitoria (21h). No dia 30, haverá debate com Cabaré Transperipatético (às 21h no Teatro Paiol), espetáculo da companhia paulistana Os Satyros com elenco de artistas transexuais.
Espaço democrático
Artistas não convidados pela curadoria também têm seu espaço no festival. Na mostra Fringe, companhias de teatro, circo música e dança se apresentam por meio de inscrição voluntária. Entre os mais de 350 espetáculos deste ano, há 60 gratuitos e 196 em que o público pode pagar quanto achar que vale. Há 18 mostras especiais, entre elas a Mostra Artística Feijão Tropeiro, com trabalhos que misturam teatro e gastronomia da região de Belo Horizonte, e a Mostra Cachoeira de Teatro, que traz nove grupos do Espírito Santo.
Espetáculos Internacionais
Até dia 7 de abril, quando acontece o encerramento da mostra, mais de 400 atrações terão passado pela capital paranaense e região metropolitana. Além de "Celui qui Tombe - Aquele que Cai", mais oito espetáculos são internacionais.
Também da Europa, o monólogo português "Bela Dona" (duas sessões no dia 6 de abril), escrito por Pedro Eiras, trata de submissão e da vingança no olhar. As demais são sul-americanas: da Argentina vêm "Bladimir" (28, 29, 30 e 31 de março), teatro de rua em forma de esquete de apenas 3 minutos em torno do Conde Drácula Bladimir, o infantil "Locas Margaritas" (30 e 31 de março), que trata da beleza a partir da perspectiva de um cão que tem uma linda margarida em sua cauda, e "Adorables" (apresentações em 5, 6 e 7 de abril), em que um casal de atores pornô vive acontecimentos de sonhos eróticos enquanto espera o pagamento por um trabalho e é enrolado pelo produtor; do Uruguai, o teatro de bonecos "Callejeros" (apresentações em 28, 29, 30 e 31 de março); do Chile, "Ruby Box Teatro a la Carta" (28, 29, 30 e 31 de março) é um espetáculo de rua que reúne pequenas poesias; e o Equador traz a oficina "Corpo Barroco", que usa o espetáculo "María" para tratar dar potencialidades do corpo barroco, e "María" (1º de abril), projeto que destaca os lados sagrado e humano de Maria de Nazaré em ícones contemporâneos latino-americanos;
Mostra
"Celui qui Tombe - Aquele que Cai" - 27 de março, às 21h, no Teatro Guaíra (Rua XV de Novembro, s/nº, Centro, Curitiba)
"As Comadres" - 27 e 28 de março, às 21h, no Guairinha (Rua XV de Novembro, s/nº, Centro, Curitiba)
Fringe
"Adorables" - 5 de abril, às 14h, 6 de abril, às 21h, 7 de abril, às 18h, no teatro José Maria Santos (r. Treze de Maio, 665, Centro, Curitiba)
"Bela Dona" - 6 de abril, às 15h e às 21h, na Casa do Damasceno (r. Treze de maio, 991, São Francisco, Curitiba)
Fringe - Mostra Cena Criança
"Locas Margaritas no Cena Criança" - 30 e 31 de março, às 16h, no Sesi Portão (r. padre Leonardo Nunes, 180, Portão, Curitiba)
Fringe - Mostra de Teatro de Formas Animadas de Rua
"Bladimir" - 28, 29 e 30 de março, às 17h e às 18h, no Relógio da r. XV de Novembro. 31 de março, às 10h, na pça. João Cândido - Ruínas
"Callejeros" - 28 de março, às 12h, e 30 de março, às 14h, no Relógio da rua XV de Novembro. 29 e março, às 12h, no Bondinho da r. XV de Novembro. 31 de março, às 15h, na pça. João Cândido - Ruínas
"Ruby Box Teatro a la Carta" - 28, 29 e 30 de março, às 17h e às 18h, no Relógio da r. XV de Novembro. 31 de março, às 10h, na pça. João Cândido - Ruínas
Fringe - Mostra Universitária
"Corpo Barroco" - 1º de abril, às 17h, no Teuni (Prédio Histórico da UFPR, 2º andar, pça. Santos Andrade, Curitiba)
"María" - 1º de abril, às 20h, no Teuni (Prédio Histórico da UFPR, 2º andar, pça. Santos Andrade, Curitiba)