O primeiro fim de semana do 28º Festival de Teatro de Curitiba recebeu nomes consagrados e peças premiadas com diretores importantes no cenário teatral. Os destaques da mostra principal são "Abujamra Presente" e "Pi - Panorâmica Insana", que levam aos palcos da capital paranaense André Abujamra, Alexandre Pinheiro, Guta Stresser, Dani Barros, Cláudia Abreu, Leandra Leal, Luiz Henrique Nogueira e Rodrigo Pandolfo, entre outros.
Com um elenco de 20 atores, "Abujamra Presente" é uma homenagem a Antônio Abujamra (1932-2015), mas também um manifesto político. O espetáculo é um recorte de alguns momentos significativos dos dez anos em que o ator e diretor esteve à frente da companhia carioca Os Fodidos Privilégios, organizados de forma bastante anárquica.
Após seis apresentações em São Paulo, a montagem trouxe a irreverência de "Abu" e sua trupe para o Festival de Curitiba. "Começamos de forma despretensiosa, era apenas uma homenagem para ser apresentada junto a uma exposição no Sesc Ipiranga, e acabamos aqui no Festival de Curitiba", afirma o diretor João Fonseca, revelando também que em abril a peça segue para o Rio de Janeiro.
A curitibana Guta Stresser é a estrela do elenco, mas a participação do filho do homenageado, André Abujamra -autor também da trilha sonora do espetáculo-, emociona e faz rir. Em meio a esquetes, piadas e lembranças de como era ensaiar com Abujamra, o grupo faz muitas referências à situação política brasileira e não poupa críticas ao atual governo.
Ao final da apresentação deste sábado, o elenco e o diretor foram longamente aplaudidos e se emocionaram. João Fonseca agradeceu a Curitiba e fez questão de lembrar que foi no festival que ele estreou como diretor em 1997, com a peça "O Casamento", uma parceria com Abujamra que lhe rendeu o Prêmio Shell. "Abujamra Presente" teve mais uma apresentação no domingo (31/3).
Questões político-sociais também constituem a linha que costura "Pi - Panorâmica Insana" (30/3 e 31/3), ganhador do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor espetáculo em 2018.
Com direção de Bia Lessa, a peça é fruto de uma vontade dos atores de trabalharem juntos no teatro. Cláudia Abreu, Leandra Leal, Luiz Henrique Nogueira e Rodrigo Pandolfo, que encenaram a novela "Cheias de Charme" (2012), começaram, então, a pensar em um projeto para os palcos.
"Eu e Luís Henrique trocamos muito o desejo de fazer uma peça contemporânea. Em 2013 combinamos de fazer uma peça juntos [com esse elenco], mas a coisa de fato começou a acontecer a partir de 2014", lembra Cláudia. Mas Pandolfo completa: "O que aconteceu foi o seguinte. Cacau combinou uma peça com cada um de nós, aí de repente ela teve um clique e falou, 'por que não reunir todo mundo e fazer uma peça só?'. E foi o que aconteceu".
Segundo Cláudia, a vontade que nasceu das conversas com Nogueira era "falar sobre temas contemporâneos e que tivessem a ver com a gente [o elenco]." A peça foi então construída coletivamente (a versão encenada são textos de Júlia Spadaccini, Jô Bilac e André Sant'anna, realizada a partir das propostas do elenco), e o espetáculo inclui performance, dança e artes visuais.
"O espetáculo foi construído pela Bia Lessa, com os quatro atores, na sala de ensaio. Buscamos temas que estavam em destaque na época, fizemos um mundo que não nos serve, não nos conforta, tentando jogar luz sobre as questões mais prementes, especialmente depois das eleições", conta Nogueira.
Assim, diversos temas são abordados pelos cerca de 150 personagens que aparecem em cena. Política, sexo, religião, gênero, violência, diferenças sociais... Esses e outros assuntos que fazem parte da vida são abordados a partir de pequenas situações, vivências cotidianas de homens e mulheres de diferentes nacionalidades. Cada um desses personagens é identificado pelo figurino: são mais de 11 mil peças de roupa espalhadas pelo palco, que dão identidade a uma história a partir do momento que são usadas pelos atores.
A menina que só queria estudar
A trilha de Adriana Calcanhoto é um dos encantos na história de "Malala, a Menina Que Queria Ir Para Escola" (30/3 e 31/3). O espetáculo em forma de musical é uma adaptação do livro infanto-juvenil homônimo de Adriana Carranca, que conta a história a garota paquistanesa Malala Yousafzai, baleada por membros do Talibã em 2009, quando tinha 14 anos, por defender o direito de meninas irem à escola. Essa luta rendeu à jovem o Prêmio Nobel da Paz em 2014, e Malala hoje estuda na universidade de Oxford, na Inglaterra.
A jornalista Adriana Carranca viajou ao Paquistão para conhecer a história de perto, entrevistar Malala, sua família e amigos e visitar os locais importantes para a garota. Segundo a produção, até agora o espetáculo foi visto por cerca de 10 mil pessoas.
Cenas de palhaços
Cenas clássicas da tradição de palhaçaria são mostradas pela companhia Risas y Rebeldia no espetáculo "RisasySonrisas - Reprises Clownescas" (31/3 e 3/4). Em cena, todos os palhaços-atores fazem leituras contemporâneas para as cenas já conhecidas da tradição dos palhaços, que são constantemente reprisadas. Segundo Nilo Netto, o Nilovsly, "o palhaço é uma figura da comédia, e nosso papel no teatro é levar isso ao público, em um jogo de improviso".
Desafios do pague quanto vale
Maringas Maciel | ||
"A Pequena Abelha e a Árvore Alta" se passa na Manaus de 1911, época áurea do ciclo da borracha |
O festival deste ano tem 196 espetáculos em que o público pode decidir quanto quer pagar. Um deles é "A Pequena Abelha e a Árvore Alta", da Trupe Ave Lola, que se passa na Manaus de 1911, época áurea do ciclo da borracha. Todas as montagens da companhia são apresentadas nesta modalidade há oito anos, mas a diretora Ana Rosa Tezza afirma que o início não foi fácil. "No começo, o pessoal dava R$ 2 ou R$ 3. Colei um cartaz explicando o que significava 'pague quanto vale', pedindo para que eles refletissem sobre o valor de uma peça de qualidade. Mas ninguém lia. Tentei flyers na entrada do espetáculo. Ninguém lia também. Até que decidi falar", conta ela, que faz um discurso antes de cada sessão pedindo para que o público reflita sobre o valor da arte e endosse a resistência dos artistas.
"O teatro não é distração, é diversão e reflexão", sentencia. Após começar com R$ 10, hoje o valor médio das contribuições está em R$ 30. "A Pequena Abelha e a Árvore Alta" terá sessões todos os dias até o final do festival no Ave Lola Espaço de Criação. Neste domingo (31/3) o espaço recebe também a montagem "Não Contém Glúten". A peça, da companhia Teatro de Breque, se passa na sala de um casal que recebe amigos de longa data para jantar.
Integração das artes
Novidade nesta edição, a Temporada de Performance inclui mostra de performances, uma oficina, uma exposição e rodas de conversas -no total, são 46 atividades, todas elas gratuitas. A proposta, segundo a curadora Margit Leisner, é promover uma maior participação das artes visuais com o teatro, reunindo repertório de todas as áreas. "É uma oportunidade de afirmar a performance como lugar das tradições de vanguarda, colocando diversos campos da arte em fricção", explica. Todas as performances acontecem nos dias 2/4 e 3/4 na Galeria Ponto de Fuga, entre as 16h e as 19h.