Começa com um vídeo de pouco mais de cinco minutos, no qual Tônia Carrero conta por que decidiu enfrentar a censura do regime militar para encenar a peça "Navalha na Carne", de Plínio Marcos.
O ano era 1967 e Tônia diz que o texto visceral do dramaturgo era perfeito para ela encarar uma personagem que a ajudaria a mostrar a todos que ela era muito mais do que uma atriz linda. E o próprio Plínio, no vídeo, fala sobre a importância da luta de Tônia para que "Navalha na Carne" fosse levada aos palcos.
Foi, com direção de Fauzi Arap (além de Tônia, o elenco tinha Nelson Xavier e Emiliano Queiroz), mas em seguida sofreu vários cortes da censura. Só foi liberada, na íntegra, 13 anos depois.
Hoje, "Navalha na Carne" foi a peça escolhida por Luisa Thiré para homenagear a avó Tônia, morta em março de 2018, aos 95 anos. A peça, que já passou por São Paulo em meados do ano passado, foi encenada para um teatro do Sesc da Esquina completamente lotado nesta segunda-feira (1). A segunda apresentação será realizada nesta terça.
Mais de 50 anos depois de ter sido apresentada pela primeira vez, "Navalha na Carne" ainda mostra força ao discutir questões como machismo, violência doméstica, homofobia.
"Que bom que estamos fazendo essa peça agora, um momento importante para falar disso", afirma Luisa Thiré em entrevista. "Especialmente no momento político pelo qual estamos passando. Político, social e econômico, que remete a tudo aquilo", diz o diretor, Gustavo Wabner. "Plínio joga o olhar para os marginalizados, mas fala especialmente do ser humano. Por isso nos toca tanto."
Na peça, Luisa interpreta a prostituta Neusa Sueli, que vive num pequeno quarto com o cafetão Vado (vivido por Alex Nader), que costuma agredir Sueli.
"A minha personagem é uma prostituta decadente, mas o mais importante é que ela é viciada no cara, é uma relação de dependência. Há um jogo de poder", conta Luisa. "É uma peça difícil, pesada, cansativa fisicamente." Impregnada de palavrões que hoje não assustam tanto como nos anos 1960, "Navalha na Carne" ainda soa bastante atual pelos assuntos que aborda.
A atriz ainda cita outro espetáculo que vai ser encenado neste Festival de Teatro de Curitiba, "A Navalha na Carne Negra", uma adaptação de José Fernando Peixoto de Azevedo do texto de Plínio Marcos e que poderá ser visto na quarta (3) e na quinta-feira (4). "Acho que a ideia do festival sempre foi trazer as duas peças. Ela tem os mesmos personagens, sem mudar o texto. É interessante ver como é esse olhar diferente para essa história", conclui.
Um olhar sobre a história do Brasil
"Relatos Efêmeros de França Antártica", teve exibição nos dias 31/3 e 1/4 durante 28ª edição do Festival de Teatro de Curitiba |
Pouco após o descobrimento do Brasil, entre os anos de 1555 e 1570, uma colônia francesa se instalou na área da Baía de Guanabara -na época chamada Baía do Rio de Janeiro.
O local foi escolhido após estudos de campo do frade André Thévet, que verificou que a região era evitada pelos portugueses devido à hostilidade dos tupinambás, povo indígena que habitava a região. Assim, após o estabelecimento de boas relações tanto com tupinambás quanto com os tamoios, o governo francês enviou o cavaleiro Nicolas Durand de Villegagnon para estabelecer uma colônia na região, a fim de realizar trocas com a metrópole e tentar dominar o comércio com as Índias, tão importante na época.
Esse episódio pouco conhecido da história do Brasil dá origem a "Relatos Efêmeros de França Antártica" (31/3 e 1/4), peça de Francisco Carlos (dramaturgia e direção) que fez sua estreia na 28ª edição do Festival de Teatro de Curitiba. "Esse é um fato marginal, a colonização francesa faz parte de uma primeira invenção do Rio, um fato inaugural e muito definitivo", completa. Trata-se de um texto complexo, narrado, dividido em quatro partes e encenado em pouco mais de duas horas.
"O espetáculo traz essa parte da história contada com ironia. Francisco tem esse jeito na escrita que traz um pouco do tempo do índio, que é um tempo circular", comenta a atriz Ondina Clais, que há 13 anos trabalha com o diretor. Esse tempo circular a que ela se refere é o que vem da tradição oral, em que as histórias são contadas com repetições de frases e ideias para facilitar a memorização. Além de Ondina, o elenco traz, entre outros, Guilherme Leme, Roberto Borestein, Gabriel Muglia e Majeca Angelucci.
Poesia francesa
Palavra e corpo se encontram no monólogo "Uma Frase Para Minha Mãe" (1/4 e 2/4), criado por Ana Kfouri a partir de textos do escritor francês Christian Prigent -vencedor do Grande Prêmio de Poesia 2018 da Academia Francesa pelo conjunto da obra.
Trata-se de uma performance de ator, em que tudo se concentra na interpretação de Ana, que declama o texto andando entre a plateia. Além de atuar, é dela também a direção do espetáculo, com a colaboração artística de Márcio Abreu, um dos curadores do Festival de Curitiba 2019.
Ana conta que conheceu Pringent em um colóquio em 2015 e de imediato sentiu forte atração pelo texto e a vontade de transformá-lo em espetáculo cênico. O seu teor poético serviu de inspiração e dialogou com o trabalho que vinha fazendo: "Minha pesquisa gira muito em torno do corpo e da palavra entendidos como potência, e não como comunicação. Pringent me dá a oportunidade de aprofundar isso. É uma fala muito corpórea, exige do ator o tempo todo essa materialidade da língua, e vai ao encontro de como entendo a atuação", afirma.
Uma biografia de Teixeirinha
Com dança e música ao vivo, "Teixeirinha, o Rei do Sul" leva aos palcos uma biografia de Victor Mateus Teixeira, o Teixeirinha, artista popular da região Sul do país. "Teixeirinha é muito popular na região Sudoeste, e por isso o espetáculo foi uma explosão, com sessões lotadas, desde sua estreia, em agosto de 2018", conta Dioni Rodrigues, que dá vida ao personagem.
O artista foi um sucesso de vendas nos anos 60 e 70. Seus filmes, baseados em músicas de autoria própria, ultrapassaram 1,5 milhão de espectadores. No total, foi autor de cerca de 1.200 composições, sendo "Coração de Luto" a de maior sucesso e regravada por vários intérpretes, como a dupla Milionário e José Rico.
O espetáculo foi selecionado para três festivais competitivos de teatro e ganhou 12 prêmios, incluindo o 46º Fenata (Festival Nacional de Teatro de Ponta Grossa).