"Dogville" leva o cinema ao teatro

Renato Mangolin
Mel Lisboa interpreta Grace na peça "Dogville, com direção de Zé Henrique de Paula, no 28º Festival de Teatro de Curitiba
Mel Lisboa interpreta Grace na peça "Dogville, com direção de Zé Henrique de Paula, no 28º Festival de Teatro de Curitiba

Um dos filmes mais originais do século 21, "Dogville", do dinamarquês Lars Von Trier, foi transposto ao teatro em uma produção de Felipe Lima com direção de Zé Henrique de Paula e um elenco de 16 atores -entre eles, Mel Lisboa, que interpreta a personagem principal da trama.

Exibido em 2003, "Dogville", o filme, levou para a tela um formato teatral: foi filmado inteiramente em um galpão, com os atores se movimentando como se estivessem em um palco. O cenário era marcado por desenhos feitos com giz.

A história funciona como uma parábola. Grace, uma jovem misteriosa, chega a uma pequena comunidade no interior dos EUA, no final dos anos 1950, fugida de alguns bandidos. Grace ajuda os moradores no dia a dia, em tarefas diversas, mas aos poucos começa a sofrer com abusos que vão se agravando. Ao final, há uma surpresa catártica.

"Dogville", a peça, se prende à história original, mas enquanto Lars Von Trier levou o teatro ao cinema, a montagem que passou pelo Festival de Curitiba transporta o cinema para o teatro. Projeções e diálogos filmados dão apoio (e dinamismo) à narrativa.

"É uma peça que dá a oportunidade para fazermos várias leituras. A leitura mítica, a social", afirma Mel Lisboa. "Podemos entender como uma crítica ao capitalismo, à exploração do trabalhador, à questão da mulher e do machismo."

Nada é à toa. Os nomes: Grace, Moisés (o cachorro). "Tudo tem um por quê", diz Mel.
"E em todos os filmes, o Lars Von Trier coloca o ser humano como uma praga, como algo sem salvação."

A atriz conta que evitou assistir ao filme antes dos ensaios. E que a sua interpretação está distante da de Nicole Kidman (a Grace do filme).

"Como o filme tem linguagem teatral, as pessoas podem achar que a interpretação também é teatral. Mas não. As interpretações, os cortes, são próprios do cinema. O fato de estarmos no teatro já muda a energia da personagem. Não tem como estar no palco e não ter uma voz que chega à toda à plateia. A presença do corpo é bem diferente."

"Dogville" tem um texto denso, dramaticamente pesado, mas que, na peça, dialoga com a produção caprichada com os belos figurinos.

"A experiência da fruição estética é uma coisa, a fruição do conteúdo acontece quase que numa pista paralela", afirma o diretor, Zé Henrique de Paula. "Então oferecer esse conteúdo com essa descarga de beleza faz com que esse conteúdo seja assimilado até com mais verdade. A vivência do terror fica mais forte."

O início da TV

Roni Nascimento
Grupo Antropofocus leva a TV para o festival na comédia "No Dia Seguinte - A Quase História da TV Brasileira"
Grupo Antropofocus leva a TV para o festival na comédia "No Dia Seguinte - A Quase História da TV Brasileira"

A TV está presente na 28ª edição do Festival de Teatro de Curitiba, e quem a levou ao evento foi o grupo Antropofocus, com a comédia "No Dia Seguinte - A Quase História da TV Brasileira".

"Tivemos como base a história da inauguração da TV Tupi, a lenda que diz que a equipe toda se preparou para a estreia, mas não para os dias seguintes", conta Andrei Mosqueto, ator e diretor do espetáculo.

Com muito improviso (uma marca do grupo), os atores reencenam essa estreia da TV no Brasil, levando o público a se colocar como plateia dessa primeira transmissão. Um dos recursos usados, para tanto, foi trazer para a cena uma TV que exibe ao vivo, em preto e branco, o que acontece no palco, de modo que seja possível ver as diferenças da gravação para o que é levado ao ar.

"Mostramos que, por mais que a imagem captada pela câmera seja lenta, para que tudo possa acontecer a produção não pode acalmar", explica Mosqueto. A ideia é também propor uma reflexão sobre a manipulação dos veículos de comunicação, questão bastante discutida na atualidade. A montagem já rendeu ao Antropofocus sete indicações ao Troféu Gralha Azul, premiação paranaense, e o prêmio de Melhor Atriz a Anne Celli.

Cenas de família

Um espetáculo sem texto, completamente guiado pela trilha sonora, em que os personagens, todos porcos, são bonecos. Assim é "O Quadro de Todos Juntos" (3/4 e 4/4), do coletivo de artistas mineiro O Pigmalião Escultura Que Mexe.

Trata-se de um teatro de bonecos para adultos, em que atores e bonecos se misturam num grande jogo de mostra/esconde, contando histórias perturbadoras que incluem sexo, violência e assassinato. "Trabalhamos com a confusão do público, de não saber quem são os atores e quais são os bonecos", conta Liz Schrickte, uma das atrizes da peça.

A realidade das esculturas assusta. Os corpos trabalhados em dimensões naturais confunde o observador. E mesmo as máscaras usadas pelos atores é são de expressões impressionantes. Segundo Liz, o fundador do grupo, Eduardo Felix, "sentiu a necessidade de ver as esculturas se mexerem". O trabalho é de Felix, também diretor do espetáculo, que é formado em escultura pela Escola de Belas Artes da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e do coletivo de artistas.

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