Um dos filmes mais originais do século 21, "Dogville", do dinamarquês Lars Von Trier, foi transposto ao teatro em uma produção de Felipe Lima com direção de Zé Henrique de Paula e um elenco de 16 atores -entre eles, Mel Lisboa, que interpreta a personagem principal da trama.
Exibido em 2003, "Dogville", o filme, levou para a tela um formato teatral: foi filmado inteiramente em um galpão, com os atores se movimentando como se estivessem em um palco. O cenário era marcado por desenhos feitos com giz.
A história funciona como uma parábola. Grace, uma jovem misteriosa, chega a uma pequena comunidade no interior dos EUA, no final dos anos 1950, fugida de alguns bandidos. Grace ajuda os moradores no dia a dia, em tarefas diversas, mas aos poucos começa a sofrer com abusos que vão se agravando. Ao final, há uma surpresa catártica.
"Dogville", a peça, se prende à história original, mas enquanto Lars Von Trier levou o teatro ao cinema, a montagem que passou pelo Festival de Curitiba transporta o cinema para o teatro. Projeções e diálogos filmados dão apoio (e dinamismo) à narrativa.
"É uma peça que dá a oportunidade para fazermos várias leituras. A leitura mítica, a social", afirma Mel Lisboa. "Podemos entender como uma crítica ao capitalismo, à exploração do trabalhador, à questão da mulher e do machismo."
Nada é à toa. Os nomes: Grace, Moisés (o cachorro). "Tudo tem um por quê", diz Mel.
"E em todos os filmes, o Lars Von Trier coloca o ser humano como uma praga, como algo sem salvação."
A atriz conta que evitou assistir ao filme antes dos ensaios. E que a sua interpretação está distante da de Nicole Kidman (a Grace do filme).
"Como o filme tem linguagem teatral, as pessoas podem achar que a interpretação também é teatral. Mas não. As interpretações, os cortes, são próprios do cinema. O fato de estarmos no teatro já muda a energia da personagem. Não tem como estar no palco e não ter uma voz que chega à toda à plateia. A presença do corpo é bem diferente."
"Dogville" tem um texto denso, dramaticamente pesado, mas que, na peça, dialoga com a produção caprichada com os belos figurinos.
"A experiência da fruição estética é uma coisa, a fruição do conteúdo acontece quase que numa pista paralela", afirma o diretor, Zé Henrique de Paula. "Então oferecer esse conteúdo com essa descarga de beleza faz com que esse conteúdo seja assimilado até com mais verdade. A vivência do terror fica mais forte."
O início da TV
Roni Nascimento | ||
Grupo Antropofocus leva a TV para o festival na comédia "No Dia Seguinte - A Quase História da TV Brasileira" |
A TV está presente na 28ª edição do Festival de Teatro de Curitiba, e quem a levou ao evento foi o grupo Antropofocus, com a comédia "No Dia Seguinte - A Quase História da TV Brasileira".
"Tivemos como base a história da inauguração da TV Tupi, a lenda que diz que a equipe toda se preparou para a estreia, mas não para os dias seguintes", conta Andrei Mosqueto, ator e diretor do espetáculo.
Com muito improviso (uma marca do grupo), os atores reencenam essa estreia da TV no Brasil, levando o público a se colocar como plateia dessa primeira transmissão. Um dos recursos usados, para tanto, foi trazer para a cena uma TV que exibe ao vivo, em preto e branco, o que acontece no palco, de modo que seja possível ver as diferenças da gravação para o que é levado ao ar.
"Mostramos que, por mais que a imagem captada pela câmera seja lenta, para que tudo possa acontecer a produção não pode acalmar", explica Mosqueto. A ideia é também propor uma reflexão sobre a manipulação dos veículos de comunicação, questão bastante discutida na atualidade. A montagem já rendeu ao Antropofocus sete indicações ao Troféu Gralha Azul, premiação paranaense, e o prêmio de Melhor Atriz a Anne Celli.
Cenas de família
Um espetáculo sem texto, completamente guiado pela trilha sonora, em que os personagens, todos porcos, são bonecos. Assim é "O Quadro de Todos Juntos" (3/4 e 4/4), do coletivo de artistas mineiro O Pigmalião Escultura Que Mexe.
Trata-se de um teatro de bonecos para adultos, em que atores e bonecos se misturam num grande jogo de mostra/esconde, contando histórias perturbadoras que incluem sexo, violência e assassinato. "Trabalhamos com a confusão do público, de não saber quem são os atores e quais são os bonecos", conta Liz Schrickte, uma das atrizes da peça.
A realidade das esculturas assusta. Os corpos trabalhados em dimensões naturais confunde o observador. E mesmo as máscaras usadas pelos atores é são de expressões impressionantes. Segundo Liz, o fundador do grupo, Eduardo Felix, "sentiu a necessidade de ver as esculturas se mexerem". O trabalho é de Felix, também diretor do espetáculo, que é formado em escultura pela Escola de Belas Artes da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e do coletivo de artistas.