Peça estreia na Mostra de Curitiba com discussão política na mesa de Natal

Lina Sumizono
"Dezembro" estreia na Mostra de Curitiba com discussão política na mesa de Natal
"Dezembro" estreia na Mostra de Curitiba com discussão política na mesa de Natal

Um país em guerra. Uma família reunida para o Natal, a festa triste, uma árvore com bolinhas coloridas e figurinos que remetem aos anos 1970. A discussão política toma conta da conversa, causa brigas e confidências. Duas irmãs gêmeas com ideias opostas sobre o mundo. Uma apoia o governo, quer que o irmão volte ao regimento e ajude a conquistar a vitória. A outra planeja um elaborado plano de fuga para que o irmão se una à resistência.

À primeira vista, podemos pensar que "Dezembro" (4/4, 5/4, 6/4 e 7/4) é uma peça política sobre o passado recente, até que descobrimos que o ano é 2025. O país é o Chile, que se considera uma raça superior e luta com Peru e Bolívia. Nas conversas dos irmãos, o espetáculo dá os detalhes dessa guerra.

Macchu Picchu foi bombardeada e destruída pelos chilenos, que avançam a Lima e querem dominar toda a região. Os inimigos são chamados eufemisticamente de refugiados e aglutinados em campos de concentração. Acusados de trair a pátria são espancados, as mulheres são estupradas. Já não há homens jovens nas cidades, todos estão na guerra. A comida é racionada e os apagões de energia, frequentes. E todos vivem em constante vigia, com medo de serem denunciados como traidores por vizinhos e pelos próprios familiares.

"É uma peça ácida, engraçada, familiar. É política, mas muito engraçada", diz a atriz Fernada Fuchs, intérprete de Paula. As pessoas podem se identificar muito, completa Ludmila Nascarella, que vive a outra irmã, Trinidad. Jorge, o irmão soldado, é interpretado por Alan Raffo.

A montagem é uma adaptação do texto do roteirista e diretor chileno Guillermo Calderón, e o espetáculo já foi realizado anteriormente no Chile e na Argentina. Aqui, a tradução é do também diretor Diego Fortes que optou por concentrar o elenco em um pequeno espaço circundado pela plateia, disposta em formato de arena. Toda a ação se passa em torno de uma mesa redonda de quatro lugares. "A arena já traz a ideia do embate, da briga entre eles. Mas também promove uma espécie de assembleia. Queria que as pessoas se vissem, observassem a reação dos outros", explica Fortes.

Peça leva manifestações de estudantes ao palco

Entre o final de 2015 e o começo de 2016, cerca de 200 escolas estaduais foram ocupadas por estudantes do ensino médio que protestavam contra uma medida do governo do estado que previa o fechamento de 93 colégios.

Essa experiência de luta e cidadania foi transformada em uma montagem ousada, que mistura dança, performance, teatro e que ganhou o nome "Quando Quebra Queima".
Todos os 15 jovens artistas (também atores e performers) que atuam na montagem participaram daquelas ocupações. Eles fazem parte do grupo ColetivA e assinam a dramaturgia de "Quando Quebra Queima" ao lado da diretora Martha Kiss Perrone.

Dentro do Festival de Teatro de Curitiba, "Quando Quebra Queima" está sendo encenada em uma sala da Universidade Estadual do Paraná. O público senta em diversas cadeiras colocadas no centro da sala. Os atores também estão sentados ali, A música dá o sinal para que eles se levantem e comecem a apresentação, na qual dançam, cantam, contam histórias e, ainda, mostram fotografias de quando participaram das ocupações. É uma performance que ganha força com a energia dos atores e que consegue transmitir o sentimento de urgência e de mobilização política que estava impregnado naquelas ocupações.

"Quando Quebra Queima" é quase indecifrável. Nas palavras dos atores, pode ser chamada de uma dança-luta. "Queríamos que tudo fosse feito em cima das nossa vivências", diz uma atriz. "É uma narrativa sobre os corpos que ocuparam as escolas, que sofreram violência. É uma narrativa de resistência", afirma outro. "E além de ser resistência, é um teatro de existência", completa outro.
É um grupo com muitos negros, mulheres, jovens que cresceram nas periferias, gays. "Tratamos de questões como racismo, homofobia, gênero, classe social. Essa questão da classe social é o maior pilar do nosso grupo", afirma um deles.

Martha Kiss Perrone conta que o espetáculo foi sendo criado durante os ensaios. "O texto nasceu todo oralmente, a partir da memória." Original, fresca e potente, "Quando Quebra Queima" já aparece como um dos destaques desta edição do Festival de Curitiba.

A dança primitiva de "Fúria"

Depois de passar por Paris, a montagem "Fúria", dirigida por Lia Rodrigues, desembarcou no Brasil, como parte do Festival de Teatro de Curitiba. O espetáculo é encenado por nove bailarinos, muitos deles moradores da favela da Maré (Rio de Janeiro).

"Fúria" busca reinventar o corpo a partir de suas energias mais primitivas. Os personagens expressam gritos, se arrastam pelo palco, ficam nus. É, talvez, uma espécie de desespero com o estado atual do mundo, ou a impotência do homem dentro de um sistema opressor.

Uma atriz e três esquetes

A atriz Isadora Ribeiro interpreta três personagens no espetáculo "Diário de Bordo" (3/4 e 4/4), atração da mostra Fringe do Festival de Teatro de Curitiba. "Estar neste festival é uma ótima forma de comemorar 30 anos de carreira", comemora.

O nome da peça faz referências às diferentes localidades em que vivem esses personagens. Eles são: uma senhora solitária que se muda para a Irlanda, uma moça recatada que vai a Nova York recomeçar a vida e um rapaz que vai ao Marrocos.

O monólogo é baseado em três textos ("Nova Iorque 1963", "Medinas" e "Última Parada: Dublin") de Maria Sampaio, filha da atriz. Isadora diz que o público se emociona: "Apenas a última esquete é engraçada. Os outros têm também drama, são sensíveis e emocionantes". Ela diz que existe o projeto de levar a peça a São Paulo ainda neste ano.

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