Tem um ar de mistério a peça "Sísifo", um monólogo de Gregório Duvivier com retiro dele e de Vinícius Calderoni (que escreveu, entre outras, "Elza"). A montagem estreou no Festival de Teatro de Curitiba e iniciará temporada nacional a partir do final de junho, quando entra em cartaz no Sesc Consolação, em São Paulo.
Sobre o que é esta "Sísifo"? Na mitologia grega, Sísifo era um mortal condenado a empurrar uma pedra enorme montanha acima; quando está quase chegando ao topo, a pedra rola para baixo, e ele tem de recomeçar o trabalho, num ciclo infinito.
Essa repetição de Sísifo é, para Vinícius Calderoni, o primeiro meme da história. "Tínhamos essa vontade de falar sobre memes e como seria transpor isso para o palco. A peça fala sobre tanta coisa, sobre a condição humana, sobre o momento do Brasil".
Para levar o mito de Sísifo para o teatro, Calderoni e Duvivier colocam no palco uma rampa de cerca de cinco ou seis metros de comprimento. E, embaixo da extremidade alta da rampa, um colchonete.
"Sísifo" é, resumidamente, uma reunião de esquetes na qual cada um termina com o pulo de Duvivier quando chega ao final da rampa. Ele então volta ao início e começa outro esquete.
Pela própria trajetória de Duvivier, a maioria dos esquetes são cômicos, mas há textos sérios, (por exemplo, sobre a relação de pai e filho). Há temas nada engraçados, como as tragédias em Mariana e Brumadinho, Marielle Franco, a violência policial, mas que, ao final, ganha uma piada leve que faz parecer ainda mais absurdos os fatos horrorosos que atingiram o Brasil recentemente.
"Não queremos sintetizar o Brasil, porque seria impossível, o 'insintetizável'", brinca Duvivier. "O Brasil é um país preso em sua ciclicidade."
Para Duvivier, o teatro "é um espaço político. Para mim é inevitável falar de Bolsonaro, isso não tem a ver com preferências políticas, tem a ver com democracia. Temos um presidente que elogia milicianos, que é parceiro de grupos de extermínio. E a última coisa que o humorista pode sentir é o medo."
Festival de Curitiba atrai 200 mil pessoas
O mote "Festival para todos" funcionou. Na sua 28ª edição, o Festival de Teatro de Curitiba atraiu cerca de 200 mil pessoas nos 13 dias de evento (entre 26 de março e 7 de abril).
O número, divulgado pelo idealizador e diretor do festival, Leandro Knopfholz, é relativo às pessoas que passaram por alguma peça ou atração, como o Gastromix (espaço dedicado à gastronomia realizado nos gramados do museu Oscar Niemeyer), o Risorama (com espetáculos de standup) e as montagens que se dividiram entre a mostra principal (27 espetáculos, com curadoria de Guilherme Weber e Marcio Abreu), o Fringe (mais de 370 peças), além de atrações especiais para crianças (Guritiba), para a família (MishMash) e mostras das companhias Os Satyros e Stavin-Damaceno.
"O festival pegou: na cidade, nos patrocinadores, nos artistas", afirma Knopfholz. "Conseguimos trazer as artes cênicas para a discussão do momento."
Apesar dos recentes cortes de patrocínio cultural de empresas estatais, o Festival de Curitba conseguiu atrair o apoio de 74 instituições. Cerca de 75% do orçamento total (R$ 6 milhões) foi captado via lei Rouanet. O impacto do evento na vida e na economia da cidade é visível. "Nós contratamos uma empresa de consultoria para avaliar e quantificar com precisão como o festival impacta Curitiba."
Nesta 28ª edição, o festival recebeu montagens de peso, como a francesa "Aquele que Cai", os musicais "Elza" e "Dancin Days", "As Comadres", "Dogville", "PI: Panorâmica Insana" (com Claudia Abreu e Leandra Leal), "Navalha na Carne", "Navalha na Carne Negra", "Dezembro", entre outras.
"Temos 28 anos ininterruptos de história. Isso nos enche de confiança, de prestígio", diz Knopfholz, relembrando o início modesto, em 1992, quando o evento reuniu 14 espetáculos. Com um passo de cada vez, o Festival de Teatro de Curitiba segue em frente.