Interferências políticas que prejudicam a atratividade e a competitividade do setor portuário foram debatidas no Painel Novos Modelos Portuários da 17ª edição do Santos Export, que tratou do processo de desestatização das autoridades portuárias do Brasil.
A preocupação de gestores se deve à necessidade de previsibilidade para o setor que, segundo os especialistas, é o fundamental para atrair investimentos. Em comum, os debatedores defenderam que haja uma política de Estado para o setor, não de governo, que muda toda vez que há uma troca no Executivo.
Atualmente há dois regimes de exploração portuária no Brasil. Um é o que a legislação chama de porto organizado, no qual a operação e a administração são do Estado, que aluga áreas para a operação privada. O outro é o chamado TUP (Terminal de Uso Privado), cujos investimento e operação são privados.
Segundo Sérgio Aquino, presidente da Federação Nacional das Operações Portuárias (Fenop), o Banco Mundial afirma que o modelo de operação ideal é o LandLord, em que a autoridade pública arrenda um espaço no porto para operações privadas.
É o modelo em vigor no Brasil para os chamados portos organizados. Para operar esse modelo, o banco diz que é preciso atender a dois quesitos: autonomia e a separação de funções.
"No Brasil, não temos autonomia administrativa e financeira. Temos separação de funções, porém o poder público não funciona como no mundo inteiro", afirmou Sérgio Aquino. "Por isso, no Brasil, nós não temos o modelo que o Banco Mundial recomenda", frisou.
A defesa de Aquino desse modelo se dá no momento em que o governo federal começa a estudar a desestatização das Companhias Docas, que são as autoridades (ou Landlords) nos portos do Brasil. A Docas do Espírito Santo, a de São Sebastião e a de São Paulo já estão em processos iniciais para ter seu controle repassado à iniciativa privada.
Casemiro Tércio Carvalho, presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), aponta para a necessidade de uma estrutura de governança que permita refletir o que seria um planejamento de longo prazo, por uma entidade pública não partidarizada respeitando o interesse público. Para ele, é preciso avançar nas questões de eficiência e competitividade.
Já Júlio Castiglioni, presidente da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), lembrou que há uma genuína tentativa de aproximação dos setores público e privado no Brasil, mas que é necessário cuidado na importação de modelos de fora.
"A gente precisa de muita cautela em adotar a ingênua ideia de importar modelos públicos lá de fora para o Brasil", alertou Júlio. "No Brasil, temos a tradição de desconfiança mútua e por isso temos muito controle."
Castiglioni sugeriu que, num processo de desestatização, é possível compartilhar parte das atribuições da autoridade portuária entre as concessionárias e um ente público. Isso daria mais agilidade ao setor.
A preocupação dos operadores de terminais em portos públicos é que uma empresa privada gerindo o dia a dia de um porto possa privilegiar grupos específicos em que ela tenha controle em detrimento de outros, fazendo uma concorrência desleal.
O secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni, lembrou que as atuais autoridades portuárias chegaram a uma situação insustentável devido a interferências políticas e, por isso, foi necessário buscar a alternativa privada.
Citando como exemplo a execução orçamentária, Piloni afirmou que a média histórica das empresas estatais no Brasil é gastar abaixo da metade da verba liberada no orçamento para investimentos nos portos.
"Isso é grave. São essas as motivações que nos fazem buscar um novo modelo", justificou Piloni, lembrando que os modelos de desestatização estão em análise, inclusive com visitas de comitivas do governo a portos privatizados de outros lugares do mundo, como a Austrália.
Gregoire Gauthier, especialista em transporte do Banco Mundial, disse que interferência política no setor portuário não é uma exclusividade do Brasil.
"A interferência política também acontece em outros países. O que é mais importante é a segurança regulatória e jurídica para haver mais previsibilidade", considerou Gauthier.
Antônio Carlos Duarte Sepúlveda, diretor-presidente da Santos Brasil, acredita que a administração portuária precisa de estabilidade de forma duradoura.
"É um momento de transformação. Acho que esse modelo que temos hoje está desgastado e temos a oportunidade única agora de mudança para dar competitividade aos portos", destacou Sepúlveda, projetando que, em 15 anos, os portos públicos estarão sucateados porque a iniciativa privada vai preferir operar nos TUPs.
Para ele, o setor vive hoje um momento de rara convergência, com setor público e privado apostando na iniciativa privada como motor do desenvolvimento.
O diretor da América Latina da Terminal Investment Limited (TIL), Antônio José de Mattos Patrício Júnior, alertou que a estabilidade jurídica é o que atrai o capital estrangeiro para investimentos de longo prazo. "Sem ela, você não vai conseguir atrair mais dinheiro para o Brasil", ressaltou. "O que a gente quer é que os contratos sejam cumpridos."
Já o coordenador do Comitê Orientador da Santos Export, José Roberto Sampaio Campos, afirmou que é preciso força do governo para vencer os obstáculos do setor portuário brasileiro.
"Falta pulso do governo para proteger a estrutura portuária das questões partidárias", ponderou Campos. Para Campos, a oportunidade é única para o setor. "Nós temos uma janela de oportunidades nesta gestão, com vários técnicos focados no resultado da administração portuária."