Cooperação é fundamental para essa e futuras pandemias

Porque as pessoas têm a sensação de que o mundo está despreparado para uma pandemia? Em plena disseminação do corona, o "vírus sem fronteira", ensinamentos importantes já podem ser tirados para futuras e inevitáveis pandemias. Especialistas brasileiros veem a necessidade de uma mudança estrutural e comportamental na gestão da saúde mundial. A união urgente entre os setores da política, da medicina, da ciência, da saúde é apontada como uma solução para a sociedade não ser surpreendida.

Para o médico sanitarista José Gomes Temporão, 68 anos, titular do Ministério da Saúde do Brasil entre 2007 e 2011, a cooperação internacional é fundamental. "Nós tivemos a pandemia de H1N1 em 2009,o zika vírus em 2016, tivemos a SARS e a MERS e ainda vamos ter outras. O coronavírus já havia sido predito por especialistas havia muito tempo. A primeira questão é uma mudança no que tecnicamente chamamos de governança global da saúde. É o fortalecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) que está muito fragilizada do ponto de vista financeiro e político. Até os EUA retiraram apoio. Nessa situação, você cria um quadro no qual cada país tenta se virar por conta própria. Neste momento, a China está apoiando vários países com gente, material e equipamentos. Isso poderia ser coordenado de maneira articulada e integrada pela própria OMS se ela tivesse poder para isso. A grande questão aí é rediscutir a governança global. O papel das agências multilaterais, o papel da ONU, porque a OMS é uma entidade dela", disse Temporão ao Estúdio Folha.

O professor de física e pesquisador Roberto André Kraenkel, coordenador do Observatório Covid-19, frente científica da Unesp e outras instituições para acompanhar a evolução da pandemia por modelos matemáticos, também aponta a falta de cooperação entre setores no Brasil como grande problema estrutural. "Uma das grandes lições que devemos tirar dessa epidemia, assim que for superada, é o acesso às informações do sistema de saúde, informações de recursos humanos. Há a necessidade de integração de pessoas com capacidade de análise estatística e matemática dentro das equipes que tomam decisões junto aos governos e outras entidades como, por exemplo, as Forças Armadas, que não têm uma equipe de prontidão epidemiológica. Nos EUA existe essa colaboração do Laboratório de Los Alamos com o Exército. Isso cria um know-how para reagir às epidemias", afirmou.

O trabalho do Los Alamos faz com que se preveja uma onda de gripe e prepara quadros de alerta para a população norte-americana. A metodologia que o laboratório usa para as gripes tem sido usada no combate ao coronavírus. "No Brasil, tem algo parecido na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro), instituição vinculada ao Ministério da Saúde, que é o InfoGripe. Se a Fiocruz quisesse aplicar o método do Info Gripe para a atual epidemia, não teria acesso online ao número de casos do dia a dia", disse Kraenkel.

Para o ex-ministro Temporão, a ciência dá exemplo de interação no que deveria ser um novo modelo de governança da saúde global. "Já temos redes colaborativas na ciência que funcionam muito bem. Hoje, em qualquer situação que se torna expressiva, rapidamente pesquisadores do Brasil, da Europa, dos EUA e da Austrália interagem e trabalham em conjunto, desenvolvem protocolos e pesquisas de maneira muito rápida. A questão está na assistência. Como se prepara o sistema de saúde para atender situações de emergências sanitárias? Como se estruturam políticas e programas de vigilância epidemiológica que possam detectar com rapidez e precocemente o surgimento de uma doença nova? Isso seria muito importante nessa nova governança global, caso a OMS pudesse cumprir esse papel. Como? Treinando, capacitando, financiando, estimulando pesquisas, coordenando esforços e troca de experiências", analisa Temporão.

A falta de coesão entre política, saúde e ciência é destacada pelo professor Kraenkel como determinante na falta de preparo do Brasil e de muitos países nesta pandemia. "Esse é um ponto importante: a não preparação do país para este tipo de situação. Não somos o único país que não está preparado, seja por motivos científicos ou políticos. Os EUA, por exemplo, se mostraram pouco preparados apesar do seu potencial na ciência. É uma questão mais de tomada de decisões do que falha do setor científico. No Brasil, a gente precisa que haja um investimento na formação de pessoas e cientistas que tenham perspectiva interdisciplinar de trabalhar com questões de saúde pública, mas que saibam também fazer uma política de saúde quantitativa, baseada em métodos matemáticos que estão em consonância com o que se faz no mundo.", afirma Kraenkel, que cita o CDC americano (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) e o correspondente europeu, o ECDC, como modelos de gestão por usar pessoas que fazem modelagem matemática para epidemias. Isso é uma coisa integrada na política dessas entidades.

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