Trabalho e educação: as lições de quem soube conectar o ensino médio e o profissionalizante

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Alunos do terceiro ano do ensino médio participam do processo de seleção do Programa Primeira Chance em 2019, antes da pandemia do novo coronavírus

O trabalho sempre fez parte da trajetória de vida da paraibana Vitória Cristina. Desde cedo, ela já havia tido alguns empregos temporários como balconista em uma das inúmeras lojas de tecido espalhadas por sua cidade, São Bento, conhecida como a capital mundial das redes. Mas Vitória não queria apenas um emprego fixo, ela buscava um caminho.

Arquivo Pessoal
Vitória Cristina (6º à esq. segurando o cartaz) participa de uma reunião de mentoria com outros alunos em 2019, antes da pandemia do novo coronavírus

Como grande parte dos jovens brasileiros, ela, por necessidade, precisava organizar sua vida conciliando trabalho e estudo. Por isso, no primeiro ano do ensino médio, aos 16 anos, ela optou por um curso que a ajudasse a ingressar na faculdade e, ao mesmo tempo, facilitasse sua inserção no mundo do trabalho.

"Na escola integral, eu iria concluir o ensino médio e já sairia qualificada para o mercado de trabalho. Pensei comigo mesma: vai ser um ganho. E foi", afirma a jovem, hoje com 18 anos e trabalhando na área que escolheu, administração, e se preparando para prestar o Enem e seguir sua trajetória em busca de mais conhecimento.

Não é de hoje que a Paraíba é um exemplo de conexão entre o ensino médio regular e a educação profissional, uma das principais mudanças previstas na reforma do ensino médio e que começa a ser implementada agora em vários estados. As primeiras escolas integrais, as chamadas ECTI (Escola Cidadã Técnica Integral), surgiram em 2016. Eram apenas 3 e hoje são 100 - cerca de 25% dos estudantes da Paraíba que cursam o ensino médio estão matriculados no ensino técnico, índice bem acima da média brasileira, de 8%.

O crescimento do número de escolas foi acompanhado por uma transformação na forma de educar: os alunos deixaram de ser meros ouvintes e assumiram o protagonismo de pensar, escolher e dizer qual caminho seguir. Para apoiar a reflexão sobre a escolha foram convidados a resolver problemas reais, de sua própria comunidade ou de empresas parceiras, usando os conhecimentos absorvidos na sala de aula.

O ensino técnico deixou de ser visto como um fim e passou a ser encarado como deve ser: uma etapa de um aprendizado contínuo. O resultado: em 2020, a Paraíba é o estado que, proporcionalmente, mais inscreveu estudantes do terceiro ano do ensino médio no Enem (73%).

"Nossa prioridade foi mudar a visão de que o aluno do ensino técnico ia arrumar um emprego e parar por aí. Esse aluno, claro, vai ter uma facilidade em ingressar mais cedo no mercado de trabalho, mas nossa ideia é mostrar que isso é só o começo de um longo aprendizado", afirma Rayssa Alencar, coordenadora do Programa Primeira Chance.

O programa foi criado em 2019 e é feito por meio de uma parceria com a iniciativa privada. Alunos do terceiro ano do ensino médio que optaram pelo ensino técnico se inscrevem para um estágio em uma empresa parceira e garantem uma bolsa de R$ 500 por mês pelo prazo de seis meses. Durante o estágio, eles são acompanhados por uma equipe de mentores da própria escola que os ajudam a resolver os problemas que encontram na vida prática.

"A gente se reúne e troca experiências. Eu falava sobre as dificuldades que encontrava no dia a dia do trabalho e depois colocava em prática as soluções que discutia na escola", conta Vitória. O estágio dela na empresa Construcenter terminou em abril deste ano, e ela foi contratada logo em seguida.

Engenheiro da Construcenter, Edivan Alves da Silva Filho afirma que não foi apenas o conhecimento técnico de Vitória que pesou para sua contratação mas principalmente a vontade de aprender coisas novas e a facilidade para resolver problemas.

A empresa de São Bento não é a única a buscar jovens com esse perfil. O cientista social Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos), afirma que o mercado atual exige profissionais que tenham habilidades técnicas e que saibam trabalhar em equipe, tenham conhecimento tecnológico e estejam comprometidos e preparados para encarar desafios. "Nesse aspecto, o ensino profissional e tecnológico no Brasil avançou muito porque tem uma visão de trabalho mais integrada, sabe fazer a ponte do que o aluno aprendeu e o que ele vai aplicar de forma prática", diz.

DISCIPLINAS SE COMPLEMENTAM

O Programa Primeira Chance é consequência de uma série de iniciativas para tornar o ensino médio mais atrativo aos jovens, afirma Rayssa Alencar. Mas, para isso, era preciso também preparar melhor os professores e elaborar currículos que inspirassem o aluno a assumir o protagonismo do seu aprendizado, a trabalhar com projetos de vida e a interagir mais com a comunidade e com a sua própria realidade. A coordenadora do programa afirma que, para ajudar nessa transformação do ensino, o governo da Paraíba buscou apoio do Itaú Educação e Trabalho.

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Alunos do terceiro ano do ensino médio participam do processo de seleção do Programa Primeira Chance em 2019, antes da pandemia do novo coronavírus

O Itaú Educação e Trabalho, uma das vertentes da Fundação Itaú para Educação e Cultura, trabalha para que as juventudes tenham uma trajetória digna e o efetivo direito ao trabalho. Para isso, apoia iniciativas que articulem o ensino profissional e tecnológico ao ensino médio propedêutico. Trabalha em parcerias com as secretarias de Educação de vários estados apoiando a elaboração de novos currículos, além de atuar na capacitação de professores e gestores.

"Apoiamos iniciativas que tenham o propósito de diminuir as desigualdades educacionais no Brasil.", afirma Ana Inoue, superintendente de Educação e Trabalho da Fundação Itaú para Educação e Cultura.

Para que a educação profissional e tecnológica faça parte do currículo do ensino médio, como prevê o novo modelo que começa a ser implantado em todo o país, é preciso promover a articulação curricular entre a educação profissional tecnológica e o ensino médio e também uma integração entre os professores para que as disciplinas se complementem e não concorram entre si. "Dou aula de higiene e segurança no trabalho, como parte do curso técnico têxtil, e para essa disciplina é preciso trabalhar muito cálculo. Por isso, tenho de estar muito alinhada com o professor de matemática. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem de se aliar ao currículo do técnico", afirma Camila Lúcio dos Santos, professora do curso técnico têxtil de São Bento e coordenadora de estágio do Programa Primeira Chance.

A formação dos professores é a peça-chave na construção desse novo ensino técnico, afirma Rayssa, ao destacar a parceria com o Itaú Educação e Trabalho. Segundo ela, o currículo e as equipes vêm se aperfeiçoando e isso se reflete na mudança do perfil do aluno. "Antes, muitos estudantes entravam no técnico por pressão dos pais. Mas, desde 2018, percebemos que agora essa é uma decisão deles", diz.

Na Paraíba, o aluno que opta pelo ensino profissional e tecnológico tem 40 opções de cursos, muitos criados de acordo com o potencial econômico de cada região e com a necessidade de qualificar mão de obra para atrair mais empresas ao estado. No Programa Primeira Chance, a bolsa é custeada pelo próprio estado.

Vários países já mostraram que os investimentos em educação se refletem em crescimento econômico e, principalmente, em pessoas melhores.

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