Do alto do Parque Antonio Raimondi, em Miraflores, um dos muitos sobre as falésias que margeiam as praias limenhas, aventureiros esperam o vento ideal para o voo de parapente. Já para os viajantes gourmands, os bons ventos sopram sem parar. A metrópole de 10,5 milhões de pessoas e vista aérea acinzentada já garantiu seu espaço como um dos principais destinos gastronômicos da América Latina.
Pelo oitavo ano seguido, o Peru foi escolhido como "melhor destino culinário do mundo" pelo prestigiado World Travel Awards, considerado o "Oscar do turismo". Sua capital é de longe a cidade que mais contribui para estes louros. Da lista dos 50 Best 2019, o mais respeitado ranking gastronômico do planeta, 2 dos restaurantes top 10 do mundo estão em Lima: Central (6º) e Maido (10º). Ambos também lideram a versão latina da lista, recheada com outros templos da boa mesa da capital peruana, como o Osso (9º), Isolina (12º), Astrid & Gaston (13º), Rafael (19º), Kjolle (21º), La Mar (26º), Malabar (48º) e Mayta (49º). Isso significa que 10 dos 50 melhores restaurantes da América Latina ficam na cidade.
O chef Gastón Acurio |
O movimento de transformar Lima em um importante centro gastronômico foi liderado pelo chef Gastón Acurio, do Astrid & Gastón, ainda nos anos 1990. Pai da chamada gastronomia novoandina, ele levou a sério a missão de usar as panelas como fator de transformação social. Inspiradas por ele, no Peru, crianças querem ser chefs da mesma forma que no Brasil desejam ser jogadores de futebol. Para o mundo, o embaixador Gastón levou temperos peruanos, mas também espalhou seus próprios restaurantes, hoje mais de 50. Ceviches, causas limeñas ou lomos saltados caíram no gosto mundial.
Chef Gastón Acurio, do Astrid & Gastón
Um tour gastronômico em Lima se concentra principalmente em Miraflores, o bairro mais chique da cidade, e Barranco, o lugar boêmio que está cada dia mais gourmet. Mas também deve incluir um passeio pelo mercado de Surquillo, lugar perfeito para entender e conhecer todos os sabores que se têm à mesa em Lima.
A riqueza da gastronomia peruana está acima de tudo nos ingredientes. Pescados fresquíssimos trazidos pela corrente Humboldt, temperos como o ají (pimenta), huacatay (um tipo de erva), cebola roxa e uma variedade incrível de batatas e milhos coloridos de grãos gigantes.
Mais de mil espécies de batatas crescem nos Andes, desenvolvidas por grupos pré-incaicos e consideradas assunto estratégico para o Estado Inca. Elas serviam para encher a barriga do povo e, desidratadas, para guarnecer exércitos. Esta espécie de comida de astronauta do passado está à venda até hoje. Por isso, em Lima, visitar mercados tradicionais, como o do bairro de Surquillo, é quase tão importante quanto ir a um museu.
A culinária limenha é a melhor forma de deglutir a história peruana. E, se a palavra "fusion" é o que há de moderno para se falar de gastronomia, ela pode explicar por que a gastronomia peruana vem conquistando o mundo. Ali, a fusão vem sendo construída há 500 anos, uma vez que o estado Inca já era um caldeirão de culturas e sabores. Adicione aí a conquista espanhola. Salpique a chegada de imigrantes - europeus, japoneses, africanos, chineses. Cada um deles trouxe seus temperos e a disposição de "peruanizar" seus costumes.
Na cozinha criolla, ingredientes como quinoa, ají e huacatay combinam-se com influências africanas e espanholas. Os exemplos deste casamento são bastante conhecidos: os anticuchos (espetinhos de coração de boi), causa limeña (espécie de tortinha de massa de batatas amarelas e ají, com recheios diversos) e lomo saltado (tiras de filé mignon salteadas na frigideira e servidas com batatas fritas).
Os imigrantes japoneses trouxeram a cozinha nikkey, com ceviches preparados com molho de soja e raiz forte, enquanto o legado chinês é cozinha chifa, como são chamados os restaurantes sino-peruanos da capital. Uma das especialidades é o arroz chaufa, um misturadão bastante condimentado que leva carnes, pescados ou tudo junto. Já a cozinha norteña traz características da civilização ancestral mochica, do norte do país, resultando em pratos como arroz com pato, preparações de cabrito e de cuy, uma espécie de porquinho da índia. Apenas para provar que uma incursão gastronômica em Lima pode ir muito além do ceviche.