Nuvens e pássaros

A menina gostava
de se deitar na rede e
contemplar as nuvens que
se moviam de lá para cá no
céu. Às vezes andavam tão
devagar, nem dava para
perceber, diferentemente
dos pássaros. Os pássaros
-a menina também
gostava de observá-los
dali, enquanto
balançava -tinham pressa,
atravessavam o horizonte
sempre voando rápido.

Curiosa, a menina foi
perguntar à mãe por que
as nuvens caminhavam
lentamente de um lado
para outro, ao contrário
dos pássaros, que seguiam
velozes, como se tivessem
algo urgente a fazer.

mãe disse que as
nuvens não tinham asas,
moviam-se graças ao
vento, e o vento costumava
soprar devagarinho. Para
que pressa? Só se fosse
para fugir de alguma
tempestade -aí o vento
estufava o peito e virava
mesmo vendaval.

O pai, ouvindo a
conversa, completou
a resposta da mãe,
dizendo que os pássaros
nem sempre eram
apressadinhos: voavam
daquele jeito, ligeiros, só
no tempo da migração.

A menina quis saber o
que era migração.

O pai explicou que era
uma viagem, em geral sem
volta: os pássaros a faziam
em direção a outra terra,
quando não podiam mais
permanecer onde viviam.

Por quê?, a menina quis
saber.

O pai respondeu: porque,
às vezes, onde os pássaros
vivem falta alimento, água
ou outra coisa.

Que outra coisa?, a
menina perguntou.

Liberdade, a mãe disse.

E o que é liberdade?

Fazer o que você deseja,
sem prejudicar ninguém,
respondeu o pai.

A menina pensou.

Liberdade: deitar na
rede e ver as nuvens e os
pássaros.

E, então, satisfeita, foi lá
continuar a sua vida.

Mas, meses depois,
quando ela balançava
na rede, a mãe e o
pai entraram em casa
correndo: tinham de se
mudar imediatamente,
vamos, vamos, rápido,
diziam, e abaixo dos
braços deles (e também da
filha) despontavam umas
asas.

Enquanto os três se
distanciavam dali, voando
como pássaros apressados,
a menina mirava lá de
cima, devagarinho, o lugar
onde viviam -um mundo
inteiro que ficava para trás.
Como seria o lugar para
onde iriam?, ela pensava.
E seus olhos, seus olhos
de nuvens, garoavam,
garoavam...

história por *João Anzanello Carrascoza,*
escritor e autor de "Vendedor de Sustos" (2014)