'Pressão da aliança' faz casais evitarem formalizar união

Cresce no Brasil o número de 'namoridos', parceiros que moram juntos, mas preferem não se casar

Fim de tarde, em São Paulo. No sobradinho azul de uma estreita rua do bairro do Brooklin, o jovem casal de arquitetos se encontra após mais um dia de trabalho. A rotina a dois ainda é uma novidade para Helena Del Nero Rocha, 28, e Pedro Vinícius Oliveira de Sá, 27. Eles namoram desde 2011, mas moram juntos há oito meses.

Helena e Pedro ilustram à perfeição um arranjo familiar cada vez mais frequente no Brasil, o dos "namoridos". Vivem como casados, mas não se submeteram às burocracias do casamento de "papel passado".

As uniões informais (ou consensuais, no jargão dos especialistas) saltaram de 30.156.240, em 2011, para 32.605.543, em 2014 -um aumento maior do que o registrado entre os casamentos civis (com ou sem cerimônia religiosa).

"Eu não preciso de papel para dizer que estou casado. Eu me sinto casado", diz o arquiteto.

Os "namoridos" são uma das consequências da revolução de costumes nos anos de 1960 e 1970. Até um passado não muito distante, o sexo só era permitido após o casamento ou, no máximo, quando se estava noivo.

"Com a liberação sexual, as intimidades se descolaram da formalidade", diz o psicólogo Ailton Amélio da Silva, um dos principais estudiosos do relacionamento amoroso no Brasil. "Houve um esvaziamento do casamento formal."

"Se um dia, por alguma questão legal, for necessário, podemos até pensar em formalizar. Do contrário, não", diz Helena.

Como o casal de arquitetos, grande parte dos "namoridos" teme que um contrato de casamento ou de união estável acabe por colocar um elemento estranho à relação, "a pressão da convenção social", afirma o psicólogo e escritor Alexandre Bez.

Helena concorda: "Eu me sentiria obrigada a fazer o relacionamento funcionar".

Ninguém vai morar junto pesando em se separar. Óbvio.

A única obrigação dos casais é consigo mesmos, com seus sentimentos. Helena quer fazer a vida com Pedro dar certo. Sentir-se obrigada versus querer -à primeira vista, a questão pode parecer firula semântica, mas não é. Do ponto de vista psicológico, explica Bez, para muita gente, o papel tem um grande peso.

Desde o início do namoro, os dois nunca rotularam a relação. "Não a pedi em namoro", diz Pedro. "A gente foi gostando de ficar junto e foi ficando..." E assim, "sempre muito companheiros", como Helena define, eles seguiram até julho de 2015, quando resolveram passar um mês viajando pela Europa. Pela primeira vez, estariam o tempo todo juntos, 24 horas por dia, sete dias por semana. Em vez de hotel, alugaram casas. Deu certo. Voltaram entusiasmados e decididos a morar juntos.

Um mês após o retorno para o Brasil, mudaram-se para o sobrado azul. Eles e o vira-lata Zico, adotado por Helena em 2012.

Ao contrário do casal de arquitetos, para muitos "namoridos" morar junto é só uma experiência, um test drive para o casamento. Mas, independentemente de contratos, sejam namorados, "namoridos" ou casados, sem respeito, paciência e amor, dizem os especialistas, a vida a dois não prospera.

O casal de 'namoridos' Helena e Pedro Vinícius, que moram juntos desde 2015 e não querem formalizar a união
O casal de 'namoridos' Helena e Pedro Vinícius, que moram juntos desde 2015 e não querem formalizar a união
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