O sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos e caros do mundo. No setor de combustíveis, o campeão em arrecadação de ICMS do país, os impostos correspondem em média a 44% do preço da gasolina vendida ao consumidor. O setor vem arrecadando R$ 150 bilhões ao ano. Em 2019, o recolhimento de impostos já alcançou quase R$ 119 bilhões.
Mas outro número também grandioso impressiona. A sonegação de impostos no setor de combustíveis já ultrapassa R$ 7 bilhões ao ano, sendo R$ 5,3 bilhões só de inadimplência de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
A complexidade do sistema tributário, especialmente do ICMS, gera fraudes, sonegação e um ambiente de negócios que precisa lidar com o chamado devedor contumaz, aquele que deve, declara que deve, e não paga.
"Nosso sistema tributário é uma bagunça. Cada um dos 27 estados do país tem sua própria legislação de ICMS e diferentes alíquotas. Essa falta de uniformidade é um estímulo para a sonegação e a informalidade", afirma o advogado tributarista Octávio Corrêa, sócio do escritório Vieira Rezende Advogados.
A simplificação tributária, com a uniformização das alíquotas de ICMS entre os estados e a concentração do tributo na produção, é uma ação discutida desde 2016 pela iniciativa Combustível Legal, idealizada pela Plural (Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência).
A Plural entende que a equalização da carga de impostos, além de descomplicar o modelo tributário, com uma alíquota única de ICMS, poderia ajudar a criar uma maior estabilidade nos preços dos combustíveis, contribuir para o fim da guerra fiscal entre estados e atrair mais investimentos.
O modelo atual de ICMS realimenta o preço constantemente. As alíquotas variam de acordo com o tipo de combustível e o estado onde ele é vendido. Na gasolina, a alíquota vai de 25% a 34%. No etanol, de 12% a 32%. No Rio de Janeiro, o consumidor paga R$ 1,63 de ICMS por litro de gasolina e R$ 1,19 no etanol, os maiores valores do país. Isso significa que o motorista que encher o tanque no Rio vai gastar R$ 0,61 a mais por litro de gasolina que em São Paulo e R$ 0,87 mais, se optar por etanol.
"A reforma tributária é uma questão muito complexa. Ainda que pudéssemos imaginar uma reforma, seria necessário depois um longo período para a transição", afirma o advogado Julio Salles Costa Janolio, do escritório Vinhas e Redenschi Advogados, especializado em energia e combustíveis. "Uma solução é a simplificação, com a monofasia do ICMS", diz Janolio.
A tributação monofásica pressupõe um valor único para cada produto em todo o país, além de concentrar a arrecadação em um elo específico da cadeia, como o produtor. Além de reduzir custos burocráticos e operacionais das empresas, essa simplificação poderia mitigar aumentos de preços automáticos dos combustíveis ao consumidor, criar maior estabilidade no preço final, desestimular fraudes e sonegação e inibir o devedor contumaz.
"O devedor contumaz faz o planejamento da empresa de forma a se financiar com o não pagamento de impostos, e esse custo afeta toda a sociedade", afirma Octávio Corrêa. "Essas empresas conseguem operar por alguns anos com defesas administrativas e ações judiciais que têm o único objetivo de ganhar tempo, uma vez que há intenção premeditada de não pagar a dívida tributária. É comum o uso de pessoas interpostas como sócios ('laranjas') e, com isso. essas empresas promovem um dano irreparável nas finanças dos estados, no mercado concorrencial e na sociedade", diz Corrêa.
Os devedores se organizam para não pagar impostos e lucrar com a fraude. O efeito no curto prazo é a perda de competitividade das empresas do setor que pagam impostos. A consultoria BCG estima que a sonegação e a inadimplência podem significar vantagem entre 5% e 30% no preço final dos combustíveis. O ato ilícito conta, no Brasil, com uma série de liminares que permitem a sobrevivência desses devedores. Mesmo quando descobertos, podem continuar operando sem sofrer punições por um longo período.