Papel da tecnologia no futuro da saúde é tema de debate

Evento no dia 15 de agosto reúne grandes nomes do setor e comemora os 10 anos da Qualirede; conheça a opinião de algumas das participantes

Como será a saúde no futuro? Qual o papel da atenção primária na sustentabilidade dos sistemas de saúde público ou privado? As novas tecnologias vão ampliar o acesso ao atendimento de qualidade ou apenas irão ampliar os custos?

Essas e outras questões estarão em discussão no QR Content, fórum com especialistas em saúde que acontece no dia 15 de agosto no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.

O evento comemora os 10 anos da Qualirede, empresa líder em gestão de planos de saúde no Brasil, e tem a curadoria do Estúdio Folha. Clique aqui para ver a programação completa do fórum.

O Estúdio Folha ouviu alguns dos palestrantes sobre os temas centrais do debate. Veja, a seguir, suas considerações principais.

PAULA BIANCA COELHO, CEO da Qualirede. Formada em Enfermagem, pós-graduada em Auditoria e Mecanismo de Regulação em Saúde e especialista em Gestão de Pacientes pela Universidade de Medicina de Pádua, na Itália.

Sobre futuro da saúde do Brasil

O que esperamos de um sistema de saúde é que estimule as pessoas a se cuidar, a serem empoderadas e ativas, para que recorram ao sistema como apoio a esse cuidarem, quando necessário.

Esperamos que, sempre que uma pessoa procure um sistema de saúde público ou privado, ela tenha sua linha de cuidado definida de acordo com seu risco de adoecer, sabendo o que deve fazer ao longo da sua vida para ser saudável.

Isso pode ser possível em um sistema que promova de fato a saúde. Para tanto, é necessário inverter a lógica atual, saindo do modelo centrado no tratamento e cura da doença para um modelo que estimule a geração e o prolongamento da saúde.

Um dos pilares para essa mudança é a estruturação da atenção primária à saúde como porta de entrada do sistema, cumprindo a função de ordenadora e reguladora e garantindo acesso à atenção secundária e terciária, sempre que necessário.

Nesse modelo, é fundamental a integração dos players em todos os níveis do sistema. Essa função é desafiadora, pois os objetivos devem convergir para o melhor resultado para a saúde da pessoa. O modelo de remuneração deve superar o "fee for service", onde quanto maior for o número de doentes tratados maior será o pagamento, para a remuneração por resultado e entrega em saúde.

Essa perspectiva exige mudanças profundas na lógica de funcionamento dos prestadores de serviços, que deverão alterar sua essência e adquirir capacidade para alcançar melhores resultados. Mas, para que isso aconteça, a mudança deve ir além: órgãos, instituições e escolas devem sofrer mudanças estruturais. A saúde deve ser tratada de forma diferente já no ensino fundamental, valorizando o cuidado preventivo como cultura da população. A formação dos profissionais de saúde deve priorizar a atenção primária como ordenadora do modelo e os cuidados com saúde como chave do processo de conhecimento.

O setor público no Brasil já adotou a atenção primária como porta de entrada do sistema, e no setor privado, várias iniciativas já estão sendo adotadas buscando a mudança do modelo de atenção. Essas ainda são experiências embrionárias, isoladas e sem muita integração entre os níveis do sistema. As experiências são vivenciadas em pequenas carteiras de clientes, mas representam uma tendência do mercado.

Os objetivos terão que convergir para transformar o modelo, pensar e agir em rede.

Sobre as tecnologias que irão revolucionar esse mercado

Muitas vezes falamos de tecnologias disruptivas, mas deveríamos voltar a atenção para as tecnologias que podem realmente fazer diferença no setor de saúde. Os players poderiam se unir para discutir a integração da informação, a análise do ciclo do paciente e o desfecho e, quem sabe, a obrigatoriedade de um padrão de troca de informações entre prontuários públicos e privados.
Assim seria possível ver a jornada do paciente, reduzindo desperdícios e gerando o cuidado em rede. O blockchain - tecnologia que cria um tipo de banco de dados no qual cada item acrescentado conta com um registro de tempo e um link para um documento anterior impossível de ser modificado, garantindo confiabilidade, verificabilidade e segurança - pode ser uma excelente alternativa, mas precisa vencer etapas técnicas e legais para acontecer. Poderíamos também ter um uso mais amplo e disseminado de tecnologia vestível para auxiliar no autocuidado e da telemedicina e análise preditiva para diagnosticar as doenças antecipadamente.

LUCIANA HOLTZ, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, ONG e portal voltado para a qualidade de vida do paciente com câncer e público em geral.

Sobre o futuro da saúde no Brasil

Teremos inúmeros desafios para cuidar de uma população idosa e com milhões de pessoas convivendo com o diagnóstico de doenças crônicas como o câncer. Entre esses desafios estão:

  • a desinformação e o preconceito em relação à doença;
  • os diagnósticos tardios, com doenças em fases avançadas, que requerem ainda mais cuidados;
  • a falta de profissionais capacitados e preparados para as demandas do cuidado;
  • a infraestrutura insuficiente para diagnósticos personalizados e
  • tratamentos de alto custo e não disponíveis.

Precisamos de uma saúde prioritariamente acessível, sustentável e justa. O foco na humanização e no atendimento multiprofissional também será cada vez mais importante.

Sobre as tecnologias que irão revolucionar esse mercado

Tecnologias como a telemedicina, a inteligência artificial e o big data (a análise e interpretação de grandes volumes de dados) já estão revolucionando o mercado da saúde, mas ainda enfrentam barreiras regulatórias importantes e isso precisa mudar. Entre essas barreiras estão preconceitos e reserva de mercado, além do alto custo de muitas dessas tecnologias - daí a necessidade de escala, para torná-las mais acessíveis e mais baratas.

MARTHA OLIVEIRA, diretora de estratégias e novos negócios da Qualirede e médica formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Sobre futuro da saúde do Brasil

Espero que a saúde seja mais inclusiva: ainda temos um problema de acesso que precisa ser resolvido. É necessário também garantir uma melhor tecnologia de acordo com as necessidades de cada paciente, dentro dos parâmetros de custo e efetividade. Vivemos um momento em que as tecnologias estão se desenvolvendo cada vez mais rapidamente - tecnologias bem diferentes, às vezes muito disruptivas e muito simples. Precisamos aproveitar esse momento para gerar saúde e, principalmente, resultado em saúde, sem esquecer do que é primordial: gerar qualidade para o sistema de saúde.

Resumindo: precisamos melhorar o acesso; trazer qualidade para o sistema de saúde e começar a produzir saúde, inclusive por meio de novas tecnologias.

Sobre as tecnologias que irão revolucionar esse mercado

Antes pensava na tecnologia como uma grande máquina, diferente e importada. Precisamos nos conscientizar que tecnologia não é isso. Às vezes tecnologia é algo barato, diferente, simples e que muda muito o que estamos fazendo e todos os resultados em saúde. Teremos cada vez mais tecnologias personalizadas, desenvolvidas e com inteligência suficiente para gerar um melhor cuidado para cada pessoa - focadas em trazer saúde e não apenas resolvendo problemas de doença. E também antecipando esses problemas, com análises preditivas e com inteligência artificial.

Algumas tecnologias vão ser muito importantes nesse processo: a inteligência artificial, a telemedicina e a teleorientação ou teleconsulta, por exemplo. Não dá para imaginar o que vai acontecer com as impressoras 3D e com os métodos que permitem fazer uma medicina realmente personalizada. Sempre lembrando que nada disso precisa aumentar os custos e que podemos ter resultados muito mais eficazes. Vamos experimentar mudanças cada vez mais rápidas e esperamos que isso traga resultados cada vez melhores para as pessoas.

ANA ESTELA HADDAD, diretora de relações institucionais da ABTms (Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde) e professora associada da USP

Sobre futuro da saúde do Brasil

Para pensarmos o que esperar do futuro da saúde no Brasil, há que se levar em conta o presente e os avanços alcançados até aqui.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), ao considerar o planejamento de recursos humanos para a saúde, a distribuição e provimento de profissionais da área, leva em conta o custo crescente do uso não racional da alta tecnologia em contraponto à necessidade de ampliar o acesso aos serviços de saúde, que recebem demanda crescente de usuários. É o caso do Brasil e do SUS, sistema de saúde público de acesso universal.

No mês passado, um artigo importante sobre o SUS foi publicado pela revista científica "The Lancet". Participaram do estudo pesquisadores e universidades americanas, inglesas e brasileiras. O artigo analisa indicadores de saúde e desenvolvimento social e o impacto que o SUS e seu modelo de atenção primária à saúde teve como resultado ao longo dos seus quase 30 anos de existência. A mortalidade infantil, que em 1990 era de 64,2 por 1.000 nascidos vivos, em 2015 chegou a 15,7. Essa redução em dois terços é considerada a segunda melhor alcançada em todo o mundo e representou a superação da meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da OMS.

Estudos publicados também na "Lancet" comprovam que esse resultado é consequência da expansão da Estratégia de Saúde da Família e do Programa Bolsa Família. Saímos de 2.000 equipes de Saúde da Família em 1998, com cobertura de 7 milhões de habitantes (cerca de 4% da população), para quase 43 mil equipes (264 mil agentes comunitários de saúde), representando uma cobertura de 160 milhões de pessoas (ou 64% da população), incluindo ainda a inclusão da saúde bucal, com 26 mil equipes no SUS.

O mesmo estudo faz quatro projeções para os indicadores, considerando quatro diferentes cenários de financiamento do SUS. O pior deles é o que temos atualmente, desde a promulgação da Emenda Constitucional 95, que em 2016 congelou por 20 anos os recursos públicos para a educação e a saúde. Mantido o cenário, haverá piora drástica desses indicadores, o que, em alguma medida, já começa a acontecer.

É neste contexto que o emprego das novas tecnologias deve ser considerado. As escolhas que fazemos no presente impactarão no nosso futuro.

Sobre as tecnologias que irão revolucionar esse mercado

Algumas tecnologias já estão revolucionando a saúde, embora ainda restritas aos que podem pagar por ela. Outras, no caso do Brasil, estão disponíveis para todos no SUS. Como é o caso do tratamento da AIDS.

Telemedicina/telessaúde, inteligência artificial, internet das coisas, cirurgia robótica assistida, medicina de precisão, biônica e impressão 3D estão na ordem do dia, demonstrando aplicações relevantes, capazes de revolucionar a atenção e o cuidado em saúde como o conhecemos e fazemos até aqui.

O avanço da tecnologia e mudanças disruptivas não são novidade ao longo da história. A novidade talvez seja o ritmo e a intensidade das mudanças que estamos experimentando atualmente. Como bem coloca John von Neumann, matemático húngaro que viveu na primeira metade do século 20, "a sempre maior aceleração do progresso da tecnologia [...] faz parecer que se aproxima de alguma singularidade essencial na história da raça humana, além da qual as questões humanas, como a conhecemos, não podem continuar."

Todavia, o mais importante e que deve estar no centro das preocupações de todos os que trabalham e atuam na saúde é o bem estar, a qualidade de vida e a qualidade do cuidado em saúde. Por qualidade aqui estamos nos referindo à uma atenção integral à saúde, atendimento humanizado, vínculo e acompanhamento longitudinal, promoção da saúde e prevenção, concepções que devem vir antes e determinar o uso que se fará das novas tecnologias que surgem o tempo todo.

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