O congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, a ASCO, que reuniu mais de 40 mil especialistas do mundo inteiro, apontou que os diagnósticos moleculares e a imunoterapia estão na vanguarda da batalha contra o câncer. Com a pandemia da Covid-19, o maior evento de oncologia clínica do mundo, ocorrido de 29 a 31 de maio, deixou de ser presencial e foi realizado integralmente em formato digital.
"Do ponto de vista de estudos, estamos deixando para trás a era dos diagnósticos histológicos, baseados na aparência do tumor, e privilegiando cada vez mais os diagnósticos moleculares, em que é possível analisar as pequenas alterações da célula tumoral e, assim, conhecer as nuances individuais de cada caso", diz Artur Katz, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio- -Libanês, em São Paulo.
A evolução das alterações moleculares também é acompanhada ao longo do tratamento. "Temos, no Hospital Sírio-Libanês, as ferramentas e testes para analisar essas alterações moleculares e personalizar o tratamento para cada indivíduo. A tendência cada vez mais é que os tumores venham a ser testados para essas alterações", diz Katz.
Pesquisas apresentadas na ASCO mostraram que as doenças que estavam mais avançadas em relação ao conhecimento molecular foram as que obtiveram maior avanço nos tratamentos, com novas drogas.
Um dos estudos apresentados na ASCO comprova a importância do conhecimento das alterações moleculares e promete mudar o tratamento contra o câncer de cólon e reto para pacientes que apresentam uma determinada alteração genética. O estudo mostrou que, para esse grupo, a imunoterapia é mais eficaz e menos tóxica que a quimioterapia.
"O resultado foi o que sempre buscamos: um tratamento muito mais eficaz e muito menos tóxico, e que mudará a prática clínica de todo oncologista", diz Allan Pereira, oncologista clínico do Hospital Sírio-Libanês e chefe da oncologia do Instituto Hospital de Base de Brasília.
A imunoterapia duplicou o tempo que a doença levou para se agravar. "O estudo continua e, no futuro, responderá também se os pacientes viverão mais e com maior qualidade de vida. Porém, a análise dessa etapa, feita em fevereiro de 2020, já obriga o médico a testar primeiro se o tumor tem essa alteração genética para só depois indicar o tratamento", afirma.
Tradicionalmente, o corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês marca presença no congresso anual da ASCO para acompanhar as novidades e apresentar trabalhos. Um deles foi conduzido integralmente no Brasil a partir da colaboração de diversas instituições. Avaliou o uso do medicamento imunoterápico nivolumabe em pacientes com carcinoma epidermoide, um dos tipos de câncer de pele de maior ocorrência.
O medicamento age na reativação do sistema imune contra o tumor. "Mais da metade dos pacientes apresentaram respostas muito expressivas. Em alguns deles, o tumor desapareceu. Os resultados foram fantásticos", diz Rodrigo Munhoz, oncologista clínico do Centro de Oncologia do Sírio-Libanês e pesquisador líder do estudo.
O trabalho reforça que, em alguns casos, a imunoterapia pode substituir a quimioterapia e é mais eficaz no tratamento desse tipo de câncer. "Como é um tumor que acomete pacientes em idade mais avançada, usar algo que não seja tão tóxico é importante", afirma Munhoz.
A imunoterapia também mostrou grande eficácia ao ser usada imediatamente após o término do tratamento quimioterápico em pacientes com carcinoma urotelial, tipo de câncer de bexiga. O objetivo do uso da imunoterapia nessa estratégia de tratamento é tentar manter a boa resposta do paciente à quimioterapia. É um tipo de manutenção do tratamento.
Vários centros de pesquisa no mundo participaram do estudo. "Tivemos oportunidade de incluir pacientes do Sírio-Libanês, e isso foi muito importante. A gente sabe que com a quimioterapia, embora o efeito inicial seja bom, o paciente pode voltar a ter a doença com uma situação de resistência. Esse deve ser o formato de tratamento daqui para a frente, uma vez que o controle da doença se mostrou mais eficaz", diz Diogo Bastos, oncologista do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês.
Medicamento reduz recidiva de câncer de pulmão de pacientes
Estudos promissores na área de câncer de pulmão com a finalidade de aumentar a sobrevida dos pacientes e a qualidade de vida foram apresentados no congresso da ASCO. Um dos destaques foi o trabalho que demonstra a redução de 83% na chance de recidiva do câncer de pulmão com o uso de terapia adjuvante com osimertinibe.
O câncer de pulmão é o tipo que mais mata (cerca de 1,8 milhão de pessoas por ano no mundo). Isso equivale a perder toda a população da cidade de Recife todos os anos. "A maior causa desse tipo de tumor ainda é o cigarro. Parar de fumar é a melhor forma de prevenir", diz Gilberto de Castro Junior, oncologista do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês.
O tumor mais comum é o carcinoma de pulmão em células não-pequenas. "Quando diagnosticado no estágio inicial, pode ser curado por cirurgia", diz Castro. Essa situação representa entre 10% e 20% dos casos no mundo. O problema é que, entre 50% e 70% dos casos, o tumor volta a aparecer em cinco anos. O desafio é evitar essa recidiva, que vem sendo combatida com quimioterapia utilizada durante três meses. Porém, esse procedimento tem sucesso em apenas 5% dos casos.
Até 20% dos pacientes operados em estágio inicial da doença apresentam uma mutação no gene EGFR após a retirada completa do tumor e as sessões de quimioterapia, quando indicadas. Foi nesse grupo que o estudo ADAURA foi realizado. Em um total de 683 pacientes, metade recebeu placebo, e a outra metade recebeu a terapia adjuvante com osimertinibe. Os dois grupos foram acompanhados durante três anos. "Em dois anos foi observado que o osimertinibe diminuiu a chance de recidiva do tumor em 83%", diz Castro.
Nesse período, 90% dos pacientes que receberam a medicação estavam vivos e sem a doença, ante 44% daqueles que receberam placebo. O estudo continuará e vai responder no futuro se quem está tomando esse medicamento viverá mais tempo e com melhor qualidade de vida do que o grupo que recebeu o placebo. "O que se sabe até agora é que a medicação diminui as chances de a doença voltar", diz Castro.
Estudo mostra alternativa para tratar câncer de próstata
Um estudo que teve destaque no encontro anual da ASCO aborda uma terapia nova para pacientes com câncer de próstata. Ela utiliza um radiofármaco ligado ao PSMA, chamado de Lutécio-PSMA, um tipo de radioterapia líquida.
"Foi feito um estudo comparando esse tratamento à quimioterapia em pacientes com câncer de próstata que têm metástase e nos quais a doença ficou resistente aos tratamentos convencionais. O estudo mostrou que a terapia nova foi melhor do que a quimioterapia", diz Diogo Bastos, oncologista do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês.
Apesar de não estar amplamente disponível em várias partes do mundo, esse tratamento está presente em alguns centros no Brasil, dentre eles, o Hospital Sírio-Libanês.