Descrição de chapéu sustentabilidade

Clima urbano merece atenção redobrada

Novo padrão vai mudar a vida nas cidades, que precisam se adaptar

Ressaca intensa na Ponta da Praia, em Santos (SP) Guilherme Dionizio/Folhapress

Março de 2019. Na grande São Paulo, principalmente entre a zona sul da capital e a região dos municípios de São Bernardo, Diadema e São Caetano, ao menos 12 pessoas perderam a vida por causa de um forte temporal. No bairro do Jabaquara choveu exatos 109,5 mm. O que significa dizer que a chuva encheria quase 11 centímetros da altura de um cubo de 1 metro quadrado em menos de uma hora.

A equação é simples: os grandes temporais vão ser cada vez mais frequentes neste século por causa do aquecimento global; mas, como isso parece ser obra divina para os governantes, as cidades, caso não se prepararem adequadamente, vão acumular tragédias.

Termômetro de rua mostra o calor na cidade de São Paulo no primeiro dia de outubro de 2020 - Roberto Casimiro /Fotoarena/Folhapress

A ciência mostra que as tempestades com mais de 100 mm em poucas horas estão aumentando em São Paulo. A memória de quem vive na Grande São Paulo há mais de 50 anos indica que antes as chuvas torrenciais não eram tão comuns assim. E ela está correta. Não se trata de nostalgia dos tempos da infância ou adolescência. Números analisados pelo IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP (Universidade de São Paulo) reforçam a percepção dos moradores de meia idade e dos idosos.

Para os cientistas, chuvas superiores a 40 mm já são fortes o suficiente para causar algum tipo de transtorno para a cidade, como alagamentos. Entre 1970 e 1979, mostram os dados, São Paulo teve o registro de 50 eventos com essas características.

Entre 2000 e 2009 foram 70 chuvas fortes anotadas pela estação meteorológica da USP, que fica perto do zoológico da cidade. Mesmo com o aumento da nota de corte, a tendência de eventos mais frequentes continua. No mesmo período, ocorreram cinco tempestades com mais de 80 mm nos anos 1970 contra nove chuvas tropicais no início do século.

Temporal provoca alagamentos em Contagem (MG), no dia 5 de dezembro de 2020 - Willian Augusto/Futura Press/Folhapress

O novo cenário urbano que surge, mesmo nas pequenas e médias cidades, ainda não vem sendo tratado como prioridade, apesar de alguns avanços terem também ocorrido, afirma Gabriela Di Giulio, pesquisadora da Escola de Saúde Pública da USP. “Mesmo com uma agenda adaptativa, entendendo a adaptação como processos de ajustamentos para antever impactos adversos das mudanças climáticas, os avanços no país têm sido lentos. Nossos estudos sobre adaptação nos municípios paulistas e em algumas capitais brasileiras, incluindo São Paulo, mostram que há importantes entraves que dificultam o processo de respostas adaptativas às alterações climáticas”, afirma a pesquisadora em saúde pública e meio ambiente da USP.

Segundo Gabriela, o que mais chama a atenção, em nível local, é a dificuldade que as gestões públicas apresentam de atrelar políticas urbanas às estratégias adaptativas. “Essas dificuldades estão presentes tanto nos municípios de pequeno e médio porte como também nas grandes cidades, ainda que estas reúnam condições que poderiam, teoricamente, facilitar o avanço nas ações climáticas, como instituições de pesquisa que produzem conhecimento técnico-científico sobre as mudanças climáticas, os impactos e as possibilidades de respostas.

Vontade política

No âmbito do Projeto CiAdapta, o grupo de pesquisa da USP em conjunto com outras instituições do país, investigou a realidade de seis grandes capitais: São Paulo, Natal, Porto Alegre, Vitória, Manaus e Curitiba. O diagnóstico é que a falta de vontade política ou comprometimento dos governantes com a adaptação das cidades a um novo cenário global não são os únicos problemas. “Práticas administrativas, descompasso entre a escala das questões urbanas e a extensão da autoridade do governo local, pressões do setor privado e fiscalização inadequada também são aspectos com os maiores níveis de impacto sobre a adaptação nas cidades brasileiras estudadas”, diz Gabriela.

Segundo ela, embora estes gargalos encontrados pelos pesquisadores não sejam barreiras específicas das mudanças climáticas, quando combinados, eles produzem e pioram os entraves para o avanço da adaptação urbana em nível local. “Eles tendem a causar atrasos e dificultar a implementação de importantes ações atreladas às questões climáticas, como ampliação de infraestrutura verde, ponderação entre o adensamento necessário e a expansão urbana, mobilidade e questões de eficiência energética nos padrões construtivos”, afirma.

A solução do problema, diz a cientista da USP, passa por enquadrar a mudança climática como um problema local, que afeta a todos, e também por compreender as cidades enquanto arenas estratégicas para ação. “É necessário ter a integração dos diferentes setores para lidar com a transversalidade das questões climáticas e, sobretudo, ter comprometimento político, inclusive, para lidar com as pressões exercidas por grupos que ainda resistem às ações públicas e coletivas em detrimento de seus interesses privados.”

LEIA MAIS

AGRICULTURA ASSUME PROTAGONISMO FRENTE AO QUECIMENTO GLOBAL

SOCIEDADE CIVIL TAMBÉM TEM PAPEL FUNDAMENTAL

TB INVESTE EM SOLUÇÕES DE ENERGIA LIMPA PARA GRANDES EMPRESAS

NO AGRONEGÓCIO, PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO DEVEM ANDAR JUNTAS

SOLUÇÕES PASSAM POR MERCADO E VISÃO SISTÊMICA

JBS AVANÇA EM RANKING DE SUSTENTABILIDADE

SUSTENTABILIDADE DA PRODUÇÃO AO PÓS-CONSUMO

ACORDO DE PARIS É SINAL DOS TEMPOS​​

É HORA DE ESFRIAR O PLANETA