Há 10.350 anos, os povos indígenas já cultivavam mandioca de forma organizada na Amazônia, como revelam pesquisas arqueológicas recentes. A cultura milenar acumulada hoje nas 424 áreas indígenas localizadas na região Norte do Brasil, que representam 115,3 milhões de hectares ou 23% do território amazônico, já seria mais do que suficiente para justificar a preservação do habitat destes povos tradicionais da floresta.
O que os cientistas também mostraram em estudos recorrentes é que, apesar de toda a pressão que estão sofrendo nos últimos anos, as áreas de preservação destinadas aos primeiros habitantes do Brasil, mesmo antes de ele ter esse nome, é muito importante para a biodiversidade da floresta e para atenuar as mudanças climáticas globais.
Grande parte das terras indígenas na Amazônia, que em termos nacionais ocupam 13% do Brasil, são literalmente oásis de vegetação bem preservadas e com muita biodiversidade, em comparação com as áreas vizinhas, muitas vezes com altos índices de desmatamento.
"O modo de vida dos indígenas os fazem protagonistas da defesa da floresta", afirma Jeferson Straatmann, coordenador do projeto Territórios da Diversidade do ISA (Instituto Socioambiental). "Eles estão sempre em guerra para manter o território. Além disso, caminham muito pela região, o que acaba servindo como uma forma de monitorar a floresta."
No caso amazônico, explica Straatmann, basta examinar o chamado arco do desmatamento, que vai do Pará a Rondônia, para se ter uma clara noção. "As áreas que continuam mais bem preservadas são as terras indígenas. Sem elas, a Amazônia não resiste", diz o especialista.
Em termos de pressão, como mostram os satélites, a exploração ilegal de madeira e o garimpo também sem auto rização estão cada vez mais recorrentes em áreas no interior do Pará ou em Roraima, onde vivem os Yanomamis.
O garimpo é uma atividade muito danosa para toda a Amazônia por causa do impacto transversal que ele gera. Dados do Ministério de Minas e Energia mostram que 95% dos garimpeiros ilegais usam mercúrio _o rio Uraricoera, um dos principais que cortam o território Yanomami, está completamente poluído. Outro laudo, da Polícia Federal, mostra que a atividade ilegal do garimpo joga no rio Tapajós, a cada sete anos, uma quantidade de dejetos equivalente ao lançado no desastre de Mariana.
O risco de o conhecimento tradicional das populações indígenas ser perdido por causa da diminuição da biodiversidade amazônica é alto, segundo um dos estudos mais recentes sobre o tema publicado em 2019 na revista científica Conservation Biology. Os pesquisadores avaliaram o grau de resiliência de quase mil áreas protegidas do Brasil acima de 50 km2 de todos os tipos, incluindo parques nacionais, estações ecológicas, reservas extrativistas e várias outras.
Os resultados mostram que, entre as áreas protegidas classificadas como tendo uma vulnerabilidade alta ou mediana, mais de 80% são terras indígenas. O que, segundo David Lapola, pesquisador da Unicamp e um dos autores da pesquisa, cria um problema importante.
"Estamos no escuro em relação à adaptação e às alterações climáticas para preservação da biodiversidade nessas áreas protegidas onde existem pessoas vivendo, sobretudo no caso das terras indígenas", diz o pesquisador. Segundo ele, é preciso que se estude com mais profundidade evidências que permitam elencar ações do que é preciso ser feito para que o impacto tanto sobre os indígenas ou outros povos tradicionais não seja irreparável.