Novas perspectivas no tratamento da hemofilia

Webinário reúne especialistas e representante de pacientes para discutir os avanços tecnológicos e as políticas de saúde pública que estão transformando a vida dos pacientes

A apresentadora Sílvia Corrêa conversa com os participantes do webinário “Políticas, saúde e os tratamentos do sangue”

A apresentadora Sílvia Corrêa conversa com os participantes do webinário “Políticas, saúde e os tratamentos do sangue” Estúdio Folha

Graças aos avanços da medicina e a uma política pública exitosa, que possibilitou o acesso universal à terapia preventiva, a qualidade de vida de quem tem hemofilia no Brasil melhorou muito nas últimas décadas e as perspectivas para esses pacientes são animadoras.​

Essa foi a principal conclusão do webinário "Políticas, saúde e os tratamentos do sangue" (confira no vídeo abaixo) realizado pelo Estúdio Folha, em parceria com a Bayer, que reuniu na última segunda-feira, dia 25, especialistas da área e representantes de pacientes. Os quatro participantes concordaram que o Brasil avançou muito no tratamento, mas que é possível dar ainda mais autonomia e qualidade de vida a esses pacientes. O evento, transmitido pelo TV Folha, foi mediado pela apresentadora Sílvia Corrêa.

O hematologista e diretor-geral do Hemorio, Luiz Amorim, lembrou que, no passado, os pacientes recebiam o fator coagulante, VIII ou IX, dependendo da sua deficiência, somente sob demanda, ou seja, quando sangravam. O tratamento era feito com crioprecipitado [retirado do plasma sanguíneo através de congelamento].

"Um paciente com hemofilia podia necessitar de até 400 bolsas de crioprecipitado por ano", lembrou. Amorim explicou ainda que só na segunda metade da década de 80 é que o plasma passou a ser submetido à inativação viral, processo capaz de erradicar os vírus eventualmente presentes nos hemoderivados.

Luiz Amorim, diretor geral do Hemorio
Luiz Amorim, diretor geral do Hemorio - Reprodução

"A incorporação de um produto mais avançado garante que essa proteína fique na circulação por mais tempo e diminua o número de infusões para a maioria dos pacientes"

Luiz Amorim
diretor geral do Hemorio

Mas a grande mudança em relação ao tratamento para a hemofilia começou nos anos 1990 com os fatores recombinantes, produzidos por engenharia genética, que dispensam o plasma como matéria-prima.

Tânia Pietrobelli, presidente da Federação Brasileira de Hemofilia, narrou sua própria experiência, como evitou que o filho, que hoje é médico e tem 42 anos, tivesse sequelas da doença. A hemofilia é incurável, na maioria dos casos é hereditária (transmitida da mãe para o filho) e causa com frequência graves problemas físicos por conta de sangramentos nas articulações, as chamadas hemartroses, complicação bastante comum da doença.

"Meu filho teve uma mutação genética, não tínhamos outros casos na família. Por sorte, o pediatra foi muito ativo e desconfiou que podia ser um problema de coagulação. A partir daí, buscamos informação e descobrimos que nos países desenvolvidos existia a profilaxia [tratamento de reposição do fator deficiente que previne os sangramentos] e que, graças a ela, as pessoas com hemofilia não desenvolviam sequelas. Passamos a importar com muito sacrifício a medicação para fazer a profilaxia."

Tânia Pietrobelli, presidente da Federação Brasileira de Hemofilia
Tânia Pietrobelli, presidente da Federação Brasileira de Hemofilia - Reprodução

"Após dez anos de profilaxia, agora temos que buscar tratamentos mais avançados, como os de longa duração"

Tânia Pietrobelli
presidente da Federação Brasileira de Hemofilia

O Brasil passou a realizar o protocolo da profilaxia primária, que já era padrão em outros países, como EUA, e recomendado pela Organização Mundial da Saúde, em 2011. "Antes, o tratamento era só quando a pessoa sangrava e muitos desenvolviam sequelas, além de sentirem muitas dores", contou Tânia.

Boa parte dos avanços na política pública para os pacientes com hemofilia foram construídos com a ajuda da médica hematologista Suely Rezende, professora titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e PhD pela Universidade de Londres, que prestou consultoria ao Ministério da Saúde na área de coagulopatias.

"Tive o privilégio de participar da criação desse programa, que tornou possível um nível muito alto de informação sobre esses pacientes. O Brasil tem hoje a quarta maior população de pacientes com hemofilia do mundo, o que demonstra que fomos capazes de diagnosticá-los. Todos estão cadastrados em um registro nacional, o Web Coagulopatias, e atualmente ninguém recebe medicamento pró-coagulante sem estar inscrito nesse sistema, coordenado e monitorado pelo Ministério da Saúde. É um programa muito bem avaliado pelos pacientes, pelos médicos e reconhecido internacionalmente pela sua eficiência."

Suely Rezende professora da Faculdade de Medicina da UFMG
Suely Rezende, professora da Faculdade de Medicina da UFMG - Reprodução

"Para prescrever um medicamento, ele tem que ter uma evidência científica robusta, forte, que recomenda o seu uso"

Suely Rezende
professora da Faculdade de Medicina da UFMG

Agora, um novo avanço deve contribuir para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com hemofilia. Um novo tratamento já foi aprovado pela Conitec e pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (Sctie) para ser incorporado ao SUS, com custo menor e duração mais longa, o que aumenta o intervalo entre as aplicações dos fatores, que devem ser feitas na veia.

"Podemos usar a engenharia genética para produzir o pró-coagulante. Esta proteína produzida é muito similar à que existe no sangue, a mesma encontrada no plasma de doadores, que tem a duração habitual. Mas nós podemos modificá-las através de tecnologias bastante avançadas e fazê-las ficarem mais tempo na circulação, de uma forma ativa", afirmou a hematologista Margareth Ozelo, professora da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

Margareth Ozelo, professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
Margareth Ozelo, professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp - Reprodução

"Hoje, boa parte dos hemofílicos faz o tratamento profilático em casa. Isso melhora a eficácia e a qualidade de vida"

Margareth Ozelo
professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp

A presidente da Federação Brasileira de Hemofilia reforçou a importância de medicamentos mais modernos para os pacientes. "Após dez anos de profilaxia, agora temos que buscar tratamentos mais avançados, como os de longa duração. Essas tecnologias vão ajudar a desafogar inclusive o armazenamento do produto, já que a frequência de infusões é menor."​