Enfermagem busca reconhecimento como alicerce do sistema de saúde no Brasil e no mundo

Dagmar Arcanjo de Oliveira, auxiliar de enfermagem; Luciana Martinez dos Santos, técnica de enfermagem; dra. Glauce Soares, obstetriz; e dra. Bruna Busnardo, enfermeira

Em 2020 será comemorado o Ano Internacional da Enfermagem. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que faltarão 9 milhões de enfermeiros, enfermeiras e parteiras no mercado para satisfazer as necessidades de saúde da população mundial até 2030. Esse cenário evidencia a importância de valorizar a profissão, fundamental para que sejam atendidas metas de saúde, tratar e prevenir doenças.

A enfermagem é essencial para os sistemas de saúde público e privado, nas esferas municipal, estadual e federal, tanto pelo tipo de trabalho que desenvolve como pela quantidade de pessoas envolvidas na atividade. No Brasil são mais de 2 milhões de profissionais desse setor. No mundo, 23 milhões.

Segundo já declarou Margareth Chan, diretora da OMS (Organização Mundial da Saúde), a enfermagem é a espinha dorsal do sistema de saúde. Isso se deve ao fato de 50% da força de trabalho mundial em saúde ser constituída por enfermeiros, técnicos, auxiliares e obstetrizes. Sem esses profissionais, o sistema de saúde não teria como manter a qualidade nem mesmo como prestar o atendimento à população.

Seguindo essa mesma linha, o ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que os enfermeiros são fundamentais para a saúde básica no Brasil. "O pulmão da saúde primária brasileira é a enfermagem", disse o ministro ao reforçar que os cuidados primários são fundamentais para o bom desempenho do Sistema Único de Saúde (SUS). A declaração foi feita no lançamento da campanha global Nursing Now (leia reportagem sobre a campanha Nursing Now ).

O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP), que representa mais de meio milhão de profissionais, entre enfermeiros, obstetrizes, técnicos e auxiliares, está empenhado em promover a valorização desses profissionais. A professora doutora Renata Pietro, presidente do Coren-SP, lembra que no Brasil o acesso à saúde é um direito constitucional, e que o país detém uma das maiores e mais complexas estruturas de saúde pública do mundo. Ela cita como exemplo programas considerados referências internacionais: transplantes, vacinação, saúde da família, controle de HIV/Aids e tratamento de hepatite, entre outros. Todas essas iniciativas seriam inviáveis sem a atuação e o protagonismo da enfermagem.

Os programas refletem a importância do papel desses profissionais para o acesso a serviços fundamentais. A categoria está na linha de frente da assistência, liderando políticas de humanização, conduzindo campanhas de conscientização em saúde e lidando com cenários complexos de cuidados com a saúde.

"Somos [os profissionais de enfermagem] hoje a maior força de trabalho na saúde brasileira e estamos presentes em todas as etapas do cuidado. Portanto, adotar políticas públicas que valorizem e reconheçam a atuação da enfermagem significa investir em uma assistência mais qualificada e segura. É inadmissível que até hoje os profissionais de enfermagem não tenham um piso salarial definido, tampouco uma jornada regulamentada", afirma a presidente do Coren-SP.

A enfermagem atua em todas as fases da vida das pessoas, desde o nascimento, passando pelos cuidados preventivos, paliativos, até os momentos mais difíceis.

PAÍS NÃO MAIS TÃO JOVEM

Em breve a expectativa de vida do brasileiro passará dos 80 anos. Com o envelhecimento da população cresce também a incidência de doenças crônicas e a necessidade de mais cuidados. E o país não está preparado para esse cenário. Há necessidade de investir na formação de profissionais de enfermagem e na atração de mais pessoas para a atividade, para atender à demanda crescente.

Também é necessário romper barreiras, como combater a desinformação sobre a autonomia e as atribuições da categoria. Há quem pense, equivocadamente, que a enfermagem é uma subcategoria da medicina e associa a profissão a algo que é auxiliar, quando, na verdade, a assistência é promovida por meio de equipes multiprofissionais, na qual cada categoria tem seu papel e importância. Outro aspecto é a necessidade de valorização. A enfermagem, até os dias de hoje, não tem um piso salarial fixado, ou jornada de trabalho regulamentada. Isso faz com que os profissionais tenham vencimento e expediente de trabalho incompatíveis com o volume de responsabilidades e atribuições que possuem, sendo obrigados a manter vários vínculos.

Para combater essa realidade, o Coren-SP está dialogando com autoridades e esferas políticas, visando a aprovação de leis em prol da categoria. Assim, emplacou na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) cinco Projetos de Lei, que estão em tramitação, entre eles, o PL 347/2018, que regulamenta a jornada de trabalho de 30 horas semanais; e o PL 292/2018, que prevê a implantação das salas de descompressão.

"A enfermagem deve se empoderar, ocupando mais espaços de gestão e de poder, para que consiga impor suas pautas, seja nas instituições de saúde, seja na esfera política. Isso significa se apropriar das ferramentas de transformação", afirma a presidente do Coren-SP, professora doutora Renata Pietro.

REGULAMENTAÇÃO

A profissão de enfermagem é regulamentada há mais de 40 anos no Brasil. Para se formar enfermeiro é necessário um curso superior de cinco anos. Para seguir a carreira de obstetriz, também é necessário curso superior com duração média de nove semestres. O enfermeiro que desejar migrar para a carreira de obstetriz precisará fazer uma especialização. O profissional também pode se especializar em áreas específicas, como enfermagem do trabalho, cardiologia, oncologia, UTI, centro cirúrgico, administração hospitalar e saúde pública, entre outras.

O enfermeiro tem autonomia para tomar decisões imediatas em situações de emergência, solicitar exames e prescrever medicamentos em circunstâncias determinadas. O obstetriz tem autonomia para realizar partos normais, exames do pré-natal e prestar os primeiros cuidados à mãe e ao recém-nascido.

Para ser técnico de enfermagem é necessário ter concluído o ensino médio e fazer um curso profissionalizante de três a quatro semestres. Para tornar-se auxiliar de enfermagem é necessário ter o ensino fundamental e cursar cerca de 15 meses, além de obter o registro junto ao conselho regional. As atribuições de cada um desses profissionais se diferenciam pelo grau de complexidade.

Com atividades distintas, cada função tem um papel vital para o funcionamento do sistema de saúde tanto da rede pública como da rede privada. O enfermeiro tem autonomia para realizar consultas de enfermagem, solicitação de exames e prescrição de medicamentos, mediante protocolos assistenciais. As equipes de enfermagem, compostas também por técnicos e auxiliares, são fundamentais para o contato permanente com os pacientes, o que garante o seu bem-estar e a sua recuperação, por meio de observação, cuidados e procedimentos.

A realidade da profissão no Brasil ainda está longe de alcançar a merecida valorização que existe em outros países. O resultado da pesquisa Ipsos Mori divulgada neste ano, e que é realizada desde 1983, mostrou que no Reino Unido a enfermagem foi eleita a profissão mais confiável para o público pelo décimo ano consecutivo. Para 96% dos britânicos, os enfermeiros possuem nível de confiabilidade "alto" ou "extremamente alto". Esse índice está à frente do atribuído aos médicos, que ficaram com 92%, e dos professores, com 89%.

Outro exemplo é a enfermagem forense. Enquanto em países como os EUA e o Canadá os enfermeiros forenses são considerados autoridades no assunto, no Brasil os profissionais enfrentam inúmeras tentativas de limitações no exercício de suas funções. O Coren-SP luta pela regulamentação da especialidade, reconhecida no Brasil desde 2011, para que os profissionais tenham maior respaldo nesta área. Sua competência inclui atenção a vítima de violência, sistema prisional e psiquiátrico, entre outros. O profissional coleta com a vítima informações, evidências e exames relacionados a um desses eventos e pode ser chamado como testemunha profissional em tribunal. Para mudar a realidade brasileira, o Coren-SP solicitou à Alesp a criação de projeto de lei, número 25/18, que propõe a criação, em nível estadual, do cargo de enfermeiro e técnico de enfermagem forense.

O Coren-SP tem como objetivo primordial zelar pela qualidade dos serviços da enfermagem no estado, com foco na segurança do paciente e, também, dos profissionais, pelo respeito ao Código de Ética e pelo cumprimento da lei do exercício profissional e pelo bom conceito da profissão. Entre os muitos desafios, está o de combater a estigmatização da enfermeira como elemento de erotização, assim como acontece com outras profissões, como secretária ou professora.

As mulheres representam 86% do total de profissionais de enfermagem em São Paulo e há uma forte carga erótica associada a essas profissionais, seja em vídeos, fantasias eróticas e outros elementos.

"Houve muitos avanços, porém não no ritmo e intensidade que desejamos. É muito comum vermos em novelas, séries e programas de TV a erotização das profissionais de enfermagem como algo naturalizado. Neste ano, tive uma experiência muito enriquecedora com as atrizes Giovanna Ewbank e Ingrid Guimarães. Em um programa do YouTube, elas se vestiram de enfermeiras, com trajes sensuais, para discutir artigos sexuais. Então, eu pensei que esse tipo de acontecimento se repetia porque a categoria não se manifestava publicamente. Como presidente do Coren-SP, escrevi uma carta a elas alertando sobre os impactos que aquela atitude, partindo de formadoras de opinião como elas, tinha sobre os milhões de mulheres que atuam nesta área no Brasil. O resultado foi surpreendente! As atrizes foram muito compreensivas e imediatamente se retrataram. A Giovanna me convidou para uma conversa esclarecedora! Assim, conseguimos reverter uma ação negativa em algo muito positivo. Por isso, acredito que o empoderamento é tão importante. À medida que temos posições claras e firmes sobre aquilo em que acreditamos, somos capazes de transformar cenários", afirma a professora doutora Renata.

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