Mundo em constante evolução exige nova maneira de encarar o ensino

Emiliano Capozoli/Estúdio Folha
Sala de Inovação Educacional na Escola Nossa Senhora de Fátima, em Fortaleza

Qual é a profissão do futuro? Com o mundo em constante e cada vez mais acelerada transformação, essa pergunta ficou obsoleta. Mais do que escolher uma profissão, o fundamental hoje é manter a capacidade contínua de aprender coisas diferentes a cada dia e de aprofundar esse conhecimento em todas as etapas do desenvolvimento profissional.

A pandemia do novo coronavírus, além de ter ceifado a vida de milhares de pessoas, acelerou uma mudança que já estava em curso: a tecnologia se impôs definitivamente e transformou de vez a vida das pessoas e consequentemente o mundo do trabalho, que já exige profissionais que saibam tomar decisões, resolver os problemas que surgem no caminho e agora, mais fortemente, passará a exigir domínio sobre os recursos tecnológicos de que dispõem para tirar o máximo proveito deles.

Diante desse quadro, novas exigências se colocam também para a escola. Para muitos educadores e cientistas, essas mudanças reforçam a necessidade de o Brasil investir mais no ensino profissional e tecnológico. Hoje, apenas 8% dos estudantes brasileiros que cursam o ensino médio estão matriculados no ensino técnico, índice bem abaixo do Reino Unido (63%), Alemanha (44%) e Portugal (36%).

O primeiro passo já foi dado. A reforma do ensino médio, que começa a ser implantada nas escolas de todo o país, rompe com o estigma que gerava perspectivas distintas para o aluno do ensino profissionalizante e do acadêmico. A principal mudança definida pela reforma é a possibilidade de a educação profissional e tecnológica integrar o currículo do ensino médio regular. Mas só isso não será suficiente. Será necessário reconceituar a educação profissional para que ela seja, efetivamente, apenas uma parte da formação profissional dos jovens em direção a um trabalho digno.

Marcelo Feres, professor do Instituto Federal Fluminense e ex-secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, afirma que a separação que marcou os currículos do ensino médio e da educação profissional e tecnológica nunca fez sentido, e isso se torna mais evidente diante dos constantes avanços tecnológicos. Ele lembra, por exemplo, que o uso da Inteligência Artificial, que já substitui funções mais operacionais, como de caixas de supermercado, além de outras também mais complexas, como a análise de processos em escritórios de advocacia, recoloca a necessidade de uma formação que fortaleça competências técnicas e acadêmicas.

"O mundo digital rompeu com esse paradigma, essa diferenciação do trabalho mais técnico do acadêmico. Agora, o mais importante, é preparar o cidadão para ter competências e habilidades para assumir várias funções, ser mais autônomo na sua capacidade de aprender e saber dominar as ferramentas tecnológicas", diz o professor.

O cientista social Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos), vai além. Ele acredita que o ensino técnico vai ser fundamental para o país atravessar a crise pós-pandemia, já que muitos jovens terão de ingressar no mercado de trabalho antes do previsto.

Por isso, diz, é importante que o ensino técnico seja entendido não apenas como um caminho mais rápido para o emprego, mas como uma etapa do desenvolvimento profissional. "As pessoas precisam entender que, antes de escolher uma profissão, é preciso escolher um projeto de vida. A escola precisa ajudar a escolher esse caminho, perguntar para onde o aluno quer ir. Se é na área da saúde, ele pode começar como auxiliar de enfermagem e terminar como pesquisador da Fiocruz. Entre o primeiro ponto e o segundo ponto, existe uma enormidade de possibilidades e transformações. A pessoa vai compondo um currículo de vida para acumular conhecimento", diz.

Em um mundo em que as pessoas não escolhem mais uma profissão, mas uma carreira a ser construída, o aprendizado constante faz parte dessa nova realidade. "Um estudante de medicina, depois de formado, tem de continuar estudando porque, assim que deixou a faculdade, já precisa se atualizar sobre novas pesquisas, medicamentos, equipamentos e tratamentos. Isso é assim no ensino técnico, na faculdade ou em qualquer conjunto de formação", afirma Ana Inoue, superintendente de Educação e Trabalho da Fundação Itaú para Educação e Cultura.

Ana enfatiza que a educação técnica profissional é um campo de aprendizado muito rico, em que é possível articular conhecimento de diversas naturezas. "O curso técnico não pode mais ser visto como uma via sem saída, mas sim como mais uma etapa nesse processo de aprendizado contínuo", diz a superintendente.

Para ela, ficou para trás a ideia de que, ao se formar no técnico escolhido, o aluno conquistava um emprego que seria para o resto de sua vida e com pouca ou nenhuma possibilidade de ascensão. "Ao contrário, o ensino técnico precisa ser emancipatório, precisa dar uma perspectiva de crescimento profissional, de desenvolvimento e de formação contínua. Para ser um bom profissional, todas as pessoas terão que se dispor a aprender sempre, ao longo de toda a vida." Se for entendida dessa forma, ressalta, a educação profissional e tecnológica gera mais potência para o jovem seguir adiante.

A reforma do ensino médio acabou impulsionando a criação do Itaú Educação e Trabalho, que vai direcionar suas iniciativas e ações para a melhoria do ensino técnico no país. A mudança não é por acaso. O objetivo do Itaú Educação e Trabalho, que antes fazia parte do Itaú BBA Educação e agora integra a Fundação Itaú para Educação e Cultura, é aproximar ainda mais o setor produtivo dessas transformações.

"Queremos dar visibilidade para o fato de que a educação é um vetor de desenvolvimento do país", diz Ana. O Itaú Educação e Trabalho possui parcerias com as secretarias de Educação de vários estados para ajudar na elaboração de novos currículos que contemplem a educação profissional e tecnológica, além de apoiar a formação de professores e gestores.

As mudanças são muitas. O novo currículo do ensino médio apresenta cinco itinerários para que os alunos escolham qual a área em que desejam aprofundar seus conhecimentos: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas e sociais aplicadas; e formação técnica e profissional. "A escola precisa mudar para dar conta de tudo isso, e o primeiro passo é ouvir o jovem, dar espaço para que ele diga o que quer e como quer aprender", afirma Izabela Rozzino, co-presidente do Movimento Mapa Educação, uma rede que conecta e ajuda os jovens a se tornarem protagonistas de seu processo de aprendizado.

Para ela, há outro ponto a ser enfatizado em relação ao ensino técnico no pós-pandemia. "Existe o risco de aumentar ainda mais a evasão, por conta do impacto financeiro e emocional que a Covid trouxe aos jovens. E o ensino técnico é mais atrativo e pode minimizar essa situação", ressalta.

Em 2018, segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), a taxa de abandono escolar no ensino médio foi de 6,1%.

Para o país entender a educação como vetor de desenvolvimento, como defende Ana Inoue, é preciso encarar os investimentos em educação não apenas do ponto de vista econômico. "É preciso que a educação profissional ofereça horizontes de desenvolvimento profissional para os jovens", afirma Ana. "Ainda se fala em investir no ensino técnico e na educação pensando somente no retorno financeiro. Temos de entender que educar é também tornar as pessoas melhores", afirma Marcelo Feres.

Eles não estão sozinhos. Izabela Rozzino também defende que é preciso pensar a educação além do mundo do trabalho. "O papel da escola é muito maior, é a responsabilidade na formação das pessoas. Precisamos preparar os jovens para encarar os desafios da vida e não só do trabalho", diz.

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