Novo protocolo do SUS poderá mudar cenário de pacientes com Hipertensão Arterial Pulmonar

Especialistas reforçam a importância da consulta pública para atualizar as diretrizes brasileiras de tratamento da doença após oito anos desde sua criação

Descrita pela primeira vez em 1891 pelo médico alemão Ernst Von Romberg, a hipertensão arterial pulmonar (HAP) até hoje desafia a medicina. Doença rara, grave e de difícil detecção, seu controle depende da combinação precisa de medicamentos, com ação específica sobre os vasos sanguíneos dos pulmões1.

Com 1,9 a 3,7 novos casos/milhão de habitantes por ano, a sobrevida dos pacientes é de apenas 2,8 anos sem tratamento2. "Mas, com o diagnóstico precoce e a terapia disponível hoje em dia, a sobrevida ultrapassa os 7,5 anos", diz o pneumologista Rogério de Souza, professor titular de Pneumologia, da USP.

Criados em 2014, os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para HAP recomendam apenas monoterapia, com possibilidade de mudança de remédio, caso o paciente não responda ao esquema terapêutico inicial3. A diretriz médica mais recomendada e utilizada pelos médicos que tratam a HAP é o ESC/ERS, das Sociedades Europeias de Pneumologia e Cardiologia, que recomenda a terapia combinada já no início do tratamento na maioria das situações4. "A terapia combinada já está consagrada", afirma a cardiopediatra Flavia Navarro, chefe da Cardiologia Pediátrica, da Santa Casa de São Paulo.

IMPORTÂNCIA DA REVISÃO

Elaboradas por técnicos da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), essas orientações para o manejo da HAP estão em processo de revisão. "Sem um tratamento adequado, o paciente de HAP, além da maior probabilidade de óbito, interna mais, vai mais para a UTI. Ou seja, o custo do tratamento desse paciente é muito maior", lembra a cardiopediatra.

A consulta pública para a atualização do PCDT deve acontecer nos próximos meses. "Estamos esperançosos de que teremos um protocolo que atenda às necessidades dos pacientes e forneça a terapia combinada", diz Flavia Lima, presidente da Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão Pulmonar e Doenças Correlatas (Abraf).

Para os especialistas e representantes dos pacientes, o cenário é bastante positivo e promissor, uma vez que a própria Conitec reconheceu, em publicação recente, a necessidade das terapias combinadas para HAP2. "Essa demora impacta diretamente na sobrevida dos pacientes. É preciso corrigir o mais rápido possível esse descompasso entre o protocolo atual e todas as diretrizes internacionais", afirma a médica Jaquelina Ota Arakaki, coordenadora do setor de Hipertensão Pulmonar do Hospital São Paulo/Unifesp. O momento, agora, é de reforçar a urgência que os pacientes têm em, de fato, acessar esse novo protocolo.

Em São Paulo, muitos pacientes já têm à disposição a terapia combinada através de uma prerrogativa da Secretaria Estadual de Saúde do estado. "Esses pacientes raramente precisam ser internados. Eles têm mais disposição, conseguem trabalhar. É uma mudança extremamente significativa", diz a médica da Unifesp.

CAMPANHA DE CONSCIENTIZAÇÃO

Se existe algo que os portadores de HAP não têm é tempo. De sinais inespecíficos, a HAP tende a ser diagnosticada dois anos depois dos primeiros sintomas. Nesse momento, os pacientes, em geral, já apresentam comprometimento das funções pulmonares e/ ou cardíacas, o que lhes gera uma rotina de sofrimento e restrições. Nos casos mais graves, o doente se sente cansado mesmo em repouso e requer ajuda para as tarefas mais simples, como trocar de roupa e até escovar os dentes. Tonturas e desmaios são frequentes.

A publicitária Laura França Sampaio, de 32 anos, chegou a desmaiar após subir alguns lances de escada. Até então, ela achava que a falta de ar e o cansaço constantes eram sintomas do sedentarismo. Quase três anos após os primeiros sintomas, ela recebeu o diagnóstico de HAP. "O que mais senti falta ao receber o meu diagnóstico foi de conhecer algum paciente que me dissesse: ‘tudo vai ficar bem’. Sinto que preciso fazer isso pelos outros."

Agora, por conta da combinação de medicamentos, ela diz estar estável. No começo do mês de Junho, Laura participou da São Paulo Fashion Week durante o desfile do estilista Walério Araújo, justamente para divulgar a doença. "Estar em um evento tão grande e de tamanha visibilidade é uma oportunidade maravilhosa de mostrar que a doença existe, é grave e muitas pessoas que sofrem com ela precisam ser olhadas mais de perto. Com o cuidado adequado, existe vida após o diagnóstico."

A doutora Jaquelina afirma que a participação de Laura no evento serviu para chamar a atenção das autoridades sobre a gravidade da doença e lembrar que todos têm direito ao acesso às novas terapias. "Essa é uma área em que há grandes avanços em termos de pesquisa, há novos medicamentos em estudo. Aprovarmos esse protocolo, é darmos a chance para que esses pacientes tenham mais condições de aguardar essas inovações", diz.

O desfile na São Paulo Fashion Week faz parte da campanha A Vida Merece Um Fôlego: Modelos de Coragem, realizada desde 2020, uma iniciativa da Janssen, empresa farmacêutica da Johnson & Johnson, em parceria com a Abraf. O projeto tem como objetivo ampliar informações sobre a hipertensão arterial pulmonar e dar visibilidade a causa.

Referências:

  1. Vivendo com Hipertensão Pulmonar — A perspectiva dos pacientes https://abraf.ong/wp-content/uploads/2020/05/vhip_vivendo-com-hp_estudo_book-online.pdf

  2. Relatório da Conitec 2021 (http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2021/20210809_Relatorio_642_Selexipague_P53.pdf );

  3. Portaria nº 35, de 16 de janeiro de 2014 –Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Hipertensão Arterial Pulmonar (http://conitec.gov.br/images/Protocolos/HAP.pdf);

  4. European Hearth Journal (https://www.phaeurope.org/wp-content/uploads/2015-esc-ers-gles-ph-web-addenda-ehv317.pdf )