O crescimento da produção agrícola é fundamental para garantir a alimentação de uma população mundial que deve chegar a cerca de 10 bilhões de pessoas em 2050, segundo estimativas da ONU, e também para gerar energia limpa e renovável, como a dos biocombustíveis. Mas como atender a essas duas demandas sem aumentar as áreas destinadas à agricultura e à pecuária e, assim, evitar o desmatamento?
O seminário Alimentos e Energia (assista acima), uma iniciativa da JBS, empresa global de alimentos, em parceria com o Estúdio Folha, o ateliê de conteúdo patrocinado da Folha de S.Paulo, reuniu especialistas para discutir formas de alcançar o equilíbrio na produção desses dois insumos essenciais e, ao mesmo tempo, priorizar a sustentabilidade.
"O Brasil tem hoje condições de produzir mais alimentos sem competir com a produção de energia. Temos ainda muitas áreas pouco utilizadas e espaço para avançar na intensificação da produção sustentável", afirma Eduardo Assad, professor do curso de mestrado profissional em agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV), ex-pesquisador da Embrapa e especialista em agricultura e mudanças climáticas.
O Brasil pode produzir mais alimentos sem competir com a produção de energia
Para João Dornellas, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar do Estado de São Paulo (Consea/SP), a produção de alimentos e a geração de biocombustíveis devem ser entendidas como atividades complementares e não concorrentes. "Veja o exemplo da soja. Existe uma demanda crescente por biodiesel fabricado com óleo de soja e isso estimula também o esmagamento do grão, o que eleva a oferta de farelo para a produção de ração animal", afirma Dornellas.
A indústria brasileira de alimentos tem números superlativos. É responsável por 10,8% do PIB do país, emprega diretamente mais de 1,8 milhão de pessoas, produz 250 milhões de toneladas por ano e exporta alimentos industrializados para 190 países, gerando um saldo positivo na balança comercial de US$ 51,8 bilhões em 2022.
A produção de alimentos e a geração de biocombustíveis devem ser vistas como atividades complementares e não concorrentes
Mas apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores mundiais de alimentos, ainda convive com insegurança alimentar e fome. Segundo Dornellas, o motivo não é a falta de alimentos, mas o acesso. "O que falta para a população é renda. Temos uma combinação de baixa renda e alta carga tributária sobre os alimentos, que chega a 23%, na média, e a 9,8% nos produtos da cesta básica", afirma o presidente da Abia.
Para Daniel Furlan Amaral, executivo de economia e relações institucionais da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), uma das vantagens do Brasil é a capacidade de produzir mais de uma safra por ano. "Isso torna o país privilegiado na oferta de matérias-primas", diz. "Só a cadeia de produção da soja responde por 28% do PIB do agronegócio e o Brasil tem a liderança mundial, com safra de 154 milhões de toneladas", afirma Amaral.
O monitoramento dos fornecedores diretos de gado pode gerar a suspensão, mas nossa contribuição vai além. Temos que ajudar o pecuarista a voltar a atuar na legalidade
Produção sustentável
O que é preciso agora para tornar a produção de alimentos e de energia cada vez mais sustentável? Para o professor Assad, isso demanda tecnologias que o país já possui e a expansão do uso de sistemas como a integração lavoura-pecuária-floresta, com a produção em conjunto, por exemplo, de soja e milho com área de pasto. "O pasto cumpre o papel de proteger o solo e assim chegamos a uma agricultura mais equilibrada, com menos emissão de CO2", afirma Assad.
Para Maria Paula Bibar, gerente de sustentabilidade da JBS Brasil, além da integração lavoura-pecuária-floresta, a recuperação de pastagens degradadas também tem trazido ganhos. "São formas de aumentar o potencial de uso da terra e ainda criar um ambiente para o sequestro de carbono", afirma.
A capacidade de produzir mais de uma safra por ano torna o Brasil privilegiado na oferta de matérias-primas
Para evitar desmatamento ilegal na sua cadeia, a JBS criou um sistema que monitora hoje 90.000 fornecedores diretos de gado por meio de imagens de satélite e dados georreferenciados. Isso equivale a 80.000 km2, ou três vezes a extensão do Reino Unido. Por meio desse sistema, mais de 15.000 propriedades já foram suspensas por não cumprir a Política de Compra Responsável de Matéria-Prima da JBS.
"O monitoramento pode gerar suspensão de fornecedores, mas nossa contribuição vai além disso. Temos que ajudar o pecuarista a voltar a atuar na legalidade", afirma Bibar. Isso acontece por meio do programa Escritório Verde JBS, que oferece gratuitamente suporte técnico para que o pecuarista opere de forma legal. Desde 2021, cerca de 4.800 fazendas já foram regularizadas por essas equipes no campo.
Há três anos não temos desmatamento para a produção de soja na cadeia e, para cada hectare produzido, existe pelo menos um que é preservado
Para monitorar os fornecedores indiretos, a JBS criou a Plataforma Pecuária Transparente, que, por meio da tecnologia blockchain, permite checar a situação das fazendas que vendem gado para os seus fornecedores diretos com total confidencialidade de dados. "O objetivo é que nossos fornecedores diretos façam o cadastro de seus fornecedores e assim conseguimos estender o monitoramento a todos os elos da cadeia."
Maior empresa brasileira de grãos e fibras, a Amaggi assumiu o compromisso de ter uma cadeia de grãos livre de desmatamento legal e ilegal até 2025 no Brasil, Argentina e Paraguai. A empresa investiu em uma plataforma geoespacial de monitoramento que consegue hoje detectar risco de desmatamento em 99,7% das áreas com esse potencial, como os biomas do Cerrado e da Amazônia.
Existe um espaço enorme para ganhos de produtividade na produção de bioenergia nos próximos anos
Segundo Juliana de Lavor Lopes, diretora de ESG, comunicação e compliance da Amaggi, quase 17 milhões de hectares de grãos já são rastreados diariamente na cadeia de fornecimento da Amaggi. "Isso equivale a monitorar 113 cidades de São Paulo por dia", diz Lopes. "Posso dizer com tranquilidade que há três anos não temos desmatamento na cadeia de produção de soja e, para cada hectare produzido, existe pelo menos um que é preservado".
É possível também produzir energia, como o etanol, sem desmatar. "A indústria de bioenergia já passou por grandes transformações e existe ainda um espaço enorme para ganhos de produtividade nos próximos anos", afirma Luciano Rodrigues, diretor de economia e inteligência setorial da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bionergia (Unica).
O Brasil já aumentou a produtividade da agropecuária, as áreas de pastagens diminuíram e podem ser convertidas para a agricultura
Rodrigues cita, por exemplo, estudos para o aprimoramento da cana-de-açúcar transgênica, engenharia genética para gerar maior resistência à seca e maior concentração de açúcar e ganhos associados à digitalização da produção. "A indústria está ampliando de forma significativa o uso de tecnologia e há uma grande expectativa de aumento da produtividade, mesmo considerando que essa indústria usa menos de 1% da área produtiva do país", diz Rodrigues.
Para Sérgio Raposo de Medeiros, pesquisador da área de nutrição animal da Embrapa e membro do Centro de Inteligência da Carne Bovina da Embrapa Gado de Corte, o mais interessado na preservação é o próprio produtor rural, porque ele depende das condições ambientais.
"O Brasil já conseguiu aumentar muito a produtividade da agropecuária e as áreas de pastagens têm diminuído. Em 1996, tínhamos quase 180 milhões de hectares e hoje temos por volta de 160 milhões. O grau de degradação também está melhorando e essas áreas de pastagens podem ser convertidas para agricultura", afirma Medeiros.