Quando os espanhóis chegaram a Cusco, a então capital do vasto Império Inca, o calendário dos conquistados tinha um dia mais importante. Trata-se da Festa do Sol, ou Inti Raymi, a grande celebração em homenagem a Inti, o Deus Sol da mitologia Inca, data que coincide com o dia do solstício de inverno (24 de junho). Era uma espécie de réveillon inca, que representava o fechamento de um ciclo de colheitas e a inauguração do seguinte.
Não demorou muito para que o vice-rei espanhol Francisco de Toledo proibisse a celebração, caracterizada como pagã e relegada à clandestinidade até 1944, quando a data entrou novamente no calendário oficial da cidade e, pouco a pouco, foi renascendo para se tornar uma das principais festas peruanas.
Hoje, quase cinco séculos depois da queda do Império Inca e 75 anos após a recriação do festival, ele retoma o esplendor dos dias de Atahualpa. A edição de 2019 foi encenada por mais de 700 atores e contou com uma plateia de cerca de 200 mil pessoas. Viajantes desembarcam de várias partes do mundo para ver reproduções das cerimônias ancestrais, cujo ápice acontece nas arquibancadas montadas no sítio arqueológico de Sacsayhuamán. Um espetáculo emocionante que passou a ser considerado Patrimônio Cultural da Nação em 2001.
Festa do Sol, em Cusco |
O primeiro ato desta encenação começa em Qorikancha, também conhecido como Templo do Sol. É neste belo complexo arqueológico que Sapa Inca, o Rei Sol, e a rainha Mama Ocllo iniciam a procissão, com todo seu séquito, até Sacsayhuamán. As roupas são um exagero de adereços, cores fortes e placas douradas, como as dos velhos tempos. De lá, o cortejo colorido passa pela Plaza de Armas, coração do centro histórico de Cusco e Patrimônio Cultural da Humanidade desde 1983. Lá também está a Catedral de Cusco e a Igreja da Companhia de Jesus.
Da Plaza de Armas são dois quilômetros de distância para Sacsayhuamán, complexo arqueológico sob medida para comprovar o tamanho do legado arquitetônico deixado pelos incas –são muralhas de quase 300 metros erguidas apenas com pedras gigantes milimetricamente encaixadas entre si. Um palco perfeito para o ato final do Inti Raymi.
Sítio arqueológico de Sacsayhuamán |
Na esplanada de Sacsayhuamán, a cerimônia segue com fogo, oferendas, conclamações ao Deus Sol, cantos e danças. Nos níveis inferiores da arquibancada montada ali há lugares para quem estiver disposto a pagar –turistas, geralmente. O alto da montanha é gratuito e normalmente de onde as famílias cusquenhas assistem a tudo de camarote.
Mas se ali o que passa é encenação, Cusco inteira respira vida real durante a semana inteira que precede este dia, com festas e desfiles por todos os lados. E a dica é chegar o quanto antes para conseguir aclimatar o organismo aos 3.360 metros de altitude desta que é considerada a cidade mais antiga do continente continuamente habitada. Conta-se que na época que o Inti Raymi foi criado, pelo rei inca Pachacutec, em 1430, ele se prolongava ainda mais, por duas semanas.
Hoje, o festival é uma forma de manter viva a cultura ancestral e reverenciar a grandiosidade das tradições cusquenhas. No mínimo, uma excelente oportunidade de ver a bela Cusco no ápice de alegria de seu povo, que tem um orgulho imenso de suas raízes ancestrais.