Viver a advocacia na modernidade: o que nos torna advogados?

"Mas, assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, aquele que não conhece nem justiça nem leis é o pior de todos." Aristóteles

Nelson Wilians, advogado e empreendedor Bruno van Enck

Nelson Wilians*

Em um cenário de fortes disputas institucionais envolvendo os poderes da República, com visíveis repercussões na sociedade civil em todos os níveis, inclusive no ambiente de negócios, somos bastante requisitados a dar nossa opinião sobre o papel da advocacia e a relevância do advogado ante ao direito e à justiça, o que costumamos receber com um misto de entusiasmo e surpresa.

Há vários anos estamos acompanhando a evolução da advocacia, desde o tempo dos recortes de Diário Oficial entregues todos os dias no escritório até a disponibilização on-line das informações.

Recebemos entusiasmados a chegada dos bots jurídicos e da inteligência artificial nas firmas de advocacia e o alvoroço com o qual nossa profissão absorveu o processo eletrônico, despachos por aplicativos com magistrados, reuniões com clientes por zoom, teams, dentre outras inovações.

Tivemos percalços e curvas de aprendizado, mas a advocacia segue rumo ao futuro como protagonista inconteste.

Sentimo-nos surpreendidos, em contrapartida, sempre que alguém questiona sobre a relevância da atividade advocatícia, confrontando-a justamente com o avanço da tecnologia e com o turbilhão político-jurídico instaurado em nosso país.

Alguns incautos têm a errônea percepção de que o advogado se encontra apequenado pela hiper disponibilização de informações nas redes sociais e na internet.

Afinal de contas, para que consultar um jurista se os tutoriais do youtube, as postagens do tik tok e do instagram já tentam trazer as respostas? Nada mais equivocado.

A presença do advogado foi primordial para a criação e a consolidação do Estado Democrático de Direito brasileiro. Nosso país e nossas instituições são o resultado de um processo histórico lento de conquistas, fruto de disputas sempre aguerridas pela primazia por poder, espaço e valores.

Não por acaso, Pierre Bourdieu chama este processo de “institucionalização” em sua obra clássica “Poder Simbólico”, o que nos permite perceber que os advogados sempre estiveram na vanguarda da construção dos princípios maiores do constitucionalismo republicano. Até mesmo a Constituição Federal de 1988, ao invocar como fundamentos da República a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, faz menção direta ao advogado como protagonista indispensável à administração da justiça em seu art. 133, dever do qual nunca nos eximimos.

Tais características fazem com que o jurista esteja sempre buscando transformar o mundo à sua volta aperfeiçoando a advocacia.

A vontade firme e continuada de dar a cada um o que é seu, exposta por Ulpiano há quase 2.000 anos, teve sua instrumentalização modernizada, mas sem perder o conteúdo moral.

O empreendedorismo jurídico, de mãos dadas com a revolução tecnológica, ajuda a levar a democracia e a justiça para todo o Brasil.

A busca da consensualidade e o fortalecimento das formas alternativas de resolução de litígios, nos moldes do common law norte-americano, são outras tendências que fortalecem nossa democracia.

Neste sentido, o Projeto de Lei nº 3.813/2020, ao tratar da realização de uma sessão extrajudicial de autocomposição prévia à propositura de ações judiciais, representará, se aprovado, um grande avanço no ordenamento jurídico.

Nenhum desses avanços, contudo, consegue descrever o que habita o espírito de um verdadeiro advogado. Ao longo de sua carreira o jurista morre um pouco diante de cada injustiça e renasce com a recomposição da moralidade e do justo.

A ilicitude fere o senso moral do jurista, que se pergunta constantemente quantas vezes é preciso que se morra até que se consiga realmente viver. É esse comprometimento e essa certeza de que precisamos pagar pela imortalidade e morrer várias vezes em vida, como afirmou Nieztche, que tornam a advocacia tão essencial à democracia e à sociedade

*advogado e empreendedor