Linchamento virtual: a cultura do cancelamento

Nelson Wilians, advogado e empreendedor

Nelson Wilians, advogado e empreendedor

Nelson Wilians*

O movimento conhecido como cultura do cancelamento, que começou, sim, como uma forma de chamar a atenção para injustiças de todo tipo e proteção ambiental, se tornou uma arma de execração pública e de censura capaz de atingir indistintamente anônimos e famosos, tanto faz.​

A cultura do cancelamento é um linchamento virtual e é assim que vou chamá-lo, pois funciona como o conhecido linchamento ou linchagem, que é o assassinato de uma ou mais pessoas cometido por uma multidão com o objetivo de punir um suposto transgressor.

Basta um registro aleatório jogado na internet de um possível ato reprovável ou que contrarie os valores geralmente aceitos como corretos, para que uma pessoa seja marcada permanentemente pelo linchamento virtual.

Vide o registro feito pela imprensa americana sobre o caso de Emmanuel Cafferty, um cidadão comum que perdeu o “melhor emprego” de sua vida após um usuário do Twitter registrar um suposto gesto dele como um símbolo usado por movimentos supremacistas brancos. De acordo com Cafferty, ele estava em seu carro apenas estalando os dedos.

Para muitos não há uma segunda chance. As redes sociais tornaram-se reféns dos excessos irrazoáveis do justiçamento do cancelamento.

Assim, a ferramenta que era para intensificar a voz de grupos oprimidos, forçar ações políticas ou banir aqueles que tivessem cometido atos reprováveis — como racismo e violência sexual, dentre outros — tornou-se uma ameaça, pronta para destruir reputações a qualquer preço. E isso exige vigilância e um combate jurídico dos excessos na mesma proporção, rapidez e intensidade.

Estou falando das exceções injustas que podem acabar com vidas num estalar de dedos. E é esse tipo que necessita ser anulado pelos meios legais para que a internet não seja dominada por bandoleiros ou justiceiros do cancelamento.

Os efeitos jurídicos, na verdade, já existem para punir aqueles que extrapolam o direito de expressão ou de opinião. Agressões por meio virtual podem ser consideradas atos de injúria ou difamação. O instituto da responsabilidade civil pode levar ao pagamento de indenizações caso estejam presentes os pressupostos gerais (conduta, dano e nexo de causalidade). Isso é especialmente relevante para pessoas físicas ou jurídicas que têm na reputação (própria imagem ou em suas marcas) uma forma de monetização.

O grande problema é identificar de onde surgiu o linchamento virtual. Assim como o linchamento no mundo real, o virtual vem em turba. O que torna difícil identificar a origem.

Enquanto o justiçamento viaja à velocidade da luz, a punição judicial dos responsáveis vem na velha maria fumaça.

De qualquer forma, em tese, há leis suficientes para alcançar todos os infratores. Vale lembrar o inquérito das fake news.

Os excessos da cultura do cancelamento aos poucos se mostram, em especial, naqueles casos em que os prejuízos causados não podem ser objeto de retratação ou restituição ao status quo ante.

Dessa forma, os provedores estão sendo chamados a desenvolver mecanismos que coíbam este tipo de abuso (e outros), identifiquem e punam rapidamente o autor dos ataques.

O caminho é espinhoso, pois passa por minúcias que mesclam liberdade de expressão e legalidade. Mas é uma das formas mais eficientes de enfrentar esse leviatã da intolerância e de muitas caras ideológicas, até para resgatar a origem do cancelamento, além de envelopar outros movimentos suscitados por boas causas.

*advogado, fundador do Nelson Wilians Advogados e empreendedor