Épocas de crise costumam ser palco de aceleração de mudanças já latentes na sociedade, o que é bastante visível no momento de inflexão vivido por todos nós nesta pandemia de Covid-19.
Enquanto em março de 2020 o cenário era de profundas incertezas sobre como se comportar diante de uma doença sobre a qual quase nada se conhecia, um ano depois as pesquisas médicas começam a trazer ao mundo as primeiras vacinas, perspectivas de medicamentos e tratamentos efetivos, o que nos leva a algumas reflexões sobre o mundo pós-pandêmico que se aproxima.
Da mesma forma que o home office e os aplicativos de comunicação a distância, alguns traços da advocacia tendem a ganhar espaço e se consolidar no “novo normal”, com destaque para a busca de soluções consensuais.
A pandemia causou impactos brutais na economia, rompendo a dinâmica de consumo e de produção de riquezas. As incertezas das organizações e das empresas em relação ao cumprimento de contratos deram início a uma das maiores ondas de negociação de todos os tempos.
Desde contratos de aluguel até contratos de trabalho foram objeto de alterações, considerando as incertezas na possibilidade de cumprimento das obrigações. As expressões “caso fortuito” e “força maior”, dentre outras, passaram a dominar as mesas de negociações com vistas a mitigar riscos e penalidades, minorando prejuízos e preservando relações empresariais. As soluções negociadas foram a primeira opção para a revisão de condições estipuladas antes da pandemia, sendo a maior parte das questões resolvida pelo consenso.
A situação não é inédita e nem se circunscreve à esfera dos processos judiciais. Norberto Bobbio em sua obra “Estado, Governo e Sociedade” já afirmava na década de 1980 que “o estado de hoje está muito mais propenso a exercer uma função de mediador e de garantidor, do que a de detentor do poder de império”. Estas ideias indicam o caminho tomado pelo poder público, considerando as dificuldades dos métodos tradicionais de acesso à Justiça.
Trata-se, na verdade, de autêntica revolução na forma de conceber a resolução de litígios, com uma nova abordagem do conflito desde a sua gênese. Ao contrário da lógica adversarial que utiliza a capacidade de persuasão para convencer o juiz de que sua tese deve ser a vencedora, a lógica consensual busca a convergência dos interesses de uma forma colaborativa e não combativa, o que costuma ser o mais aceito pelas partes, é mais barato e mais eficaz.
Nossa legislação já há muitos anos possui institutos que possibilitam a formação de consensos para solucionar questões complexas do dia a dia. Desde a primeira metade do século 20 é possível resolver amigavelmente questões ligadas à desapropriação, mas os métodos de solução consensual vieram a ganhar especial tração com a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e da Arbitragem na década de 1990.
Em uma conjuntura de crise sanitária e de busca de alternativas para a recuperação, é inevitável que nos vejamos diante dos conflitos. O cenário ideal é que a tendência de expansão das zonas jurídicas de consenso na solução das disputas substitua os demorados e caros conflitos judiciais. Todos teríamos a ganhar.
* Sócio do escritório Nelson Wilians Advogados, especialista em direito público administrativo e regulatório