Em meio à pandemia que ainda amargura o nosso país, podemos sonhar com uma nova fase, a exemplo do que está ocorrendo em parte da Europa e dos Estados Unidos. Após muitas restrições e uma ampla campanha de vacinação, europeus e americanos estão experimentando um retorno à “normalidade”, com a permissão de atividades coletivas, reabertura de empresas, restaurantes e bares, shows etc.
Porém, como na canção de Milton Nascimento, “sei que nada será como antes, amanhã”.
A crise da Covid-19 afetou a vida no mundo todo. Além de seu efeito primário, a perda de muitas vidas, há uma série de efeitos secundários relevantes que precisam ser considerados daqui para a frente, que representam um desafio às regras jurídicas que regem nossa vida social, política e econômica.
Esses efeitos foram levantados no livro “Law in the time of COVID-19”, produzido pelo corpo docente da Columbia Law School. Eles estão, obviamente, voltados para a realidade americana, mas muitos desses efeitos foram observados também aqui e botam nossa sociedade sob pressão.
A pandemia testou as ferramentas que as autoridades têm para tratar e evitar a propagação de doenças infecciosas, entre elas quarentena, vacinação e saneamento público.
Dessa forma, questões como o direito coletivo e o individual foram colocadas à prova quando se discutia a obrigatoriedade da vacina, assim como o papel da União, dos Estados e Municípios em implantar políticas de saúde.
Fizemos o possível, trocamos o pneu com o carro em movimento. Mas é preciso agora refletir: chegamos ao melhor modelo durante a pandemia? Até onde vai o ‘poder de polícia’ do estado? O que precisa ser aperfeiçoado?
A falta de mecanismos de proteção para garantir renda aos trabalhadores e microempresários em tempo de crise é outro ponto. O que se observou foi um malabarismo jurídico-econômico para retirar do orçamento um benefício minguado de fome para uma parcela de trabalhadores, deixando outra de fora, e que ainda possibilitou uma série de fraudes. Seria necessário um fundo de crise que contemplasse melhor e mais pessoas? Como nosso poder jurídico pode contribuir para regular essa proteção, garantir segurança jurídica e evitar fraudes?
Vale ressaltar ainda que os trabalhadores de baixa renda foram e são os que mais estão expostos ao coronavírus.
Outro efeito acentuado pela pandemia refere-se à superlotação de nossos presídios. A solução mais humana durante a crise da pandemia foi a libertação dos presos de baixa periculosidade para que não contraíssem a doença. E os outros não estavam vulneráveis? Onde está a solução?
Outra ressalva: as mulheres foram extremamente impactadas pela crise sanitária, não só pelas demissões, já que são maioria nas atividades mais afetadas, como pela dupla jornada em um período em que escolas e creches estavam fechadas. Como equalizar essa questão para evitar que as desigualdades não se aprofundem ainda mais no futuro?
Não se trata aqui de criticar o que foi feito, nossas limitações são semelhantes à imagem de um Band-Aid cobrindo o corte de uma cirurgia de tórax.
A intenção é colocar para reflexão essas questões, da mesma forma que o fizeram os autores de “Law in the time of COVID-19”. São questões complexas que, como muitas outras, já estão no tabuleiro desafiando os operadores do direito e, claro, nossa sociedade.
E é fundamental que, apartir de agora, façamos um esforço conjunto para respondermos à altura essas demandas; caso contrário, tudo será como antes, amanhã.
*Advogado, empreendedor, fundador e presidente do Nelson Wilians Advogados