Não aconteceu apenas no Brasil. De repente, o mundo se viu em um Jumanji de pavor que colocou as relações empresariais, trabalhistas e governamentais numa inóspita e perigosa selva.
Enquanto o tabuleiro ainda tremia com o avanço do coronavírus, buscou-se com grande esforço responder a esses desafios da melhor maneira possível. Os desencontros, obviamente, foram bater no Judiciário, que se viu obrigado a dar respostas rápidas, flexíveis e conciliadoras em múltiplas áreas.
Porém, a nova realidade ocasionada pela crise do vírus exige uma nova ordem regulatória, como o trabalho remoto.
Ainda que a transição tenha sido rápida e imprevista, a pandemia revelou que o trabalho remoto é perfeitamente possível. Sem perder competitividade e eficiência, muitos setores empresariais experimentaram uma redução considerável em seus custos e aumento da produtividade.
Em contrapartida, essa relação exige uma nova ordem regulatória, que traga segurança jurídica às partes envolvidas e estabeleça direitos e deveres de cada uma. Equilibrar todos os pesos na balança na busca de um acordo sustentável será um desafio contínuo.
Outro capítulo do trabalho remoto, que não tem fronteiras, deverá tratar das implicações fiscais. Além dos desafios legais e regulatórios, poderá envolver não só questões de transferência internacional de dados como as tributárias.
Portanto, embora a visão de trabalhar de qualquer lugar se concretize em todo o mundo, um novo caminho terá que ser traçado para que isso seja possível do ponto de vista jurídico. Em outras palavras, a mudança do trabalho da rua para casa exigirá muitas outras mudanças.
Ainda que ocorra um aumento no protecionismo e no nacionalismo, por parte de algumas nações, o mundo pós-pandêmico poderá precisar de mais globalização, de acordo com especialistas em direito internacional. Mas o “novo normal” exigirá uma coordenação coletiva intergovernamental mais efetiva. Temas como o enfrentamento de futuras pandemias, as mudanças climáticas, novas tecnologias e impostos internacionais devem permear as alianças contratuais. Assim como as regras antitruste, de concorrência e de arbitragem vão necessitar de uma nova harmonização jurídica sustentada por entendimentos comuns e consenso, que impactarão a produção, legislação e gestão internas de cada país. A padronização internacional exigirá protocolos aceitáveis em conjunto sobre quase toda a gama de produtos e serviços.
A questão das patentes e dos licenciamentos de vacinas e medicamentos deve borbulhar nas salas da Organização Mundial do Comércio. Bilhões de dólares devem ser consumidos numa disputa que irá envolver gigantes farmacêuticas, governos e instituições de saúde por um longo período, já que as isenções só funcionarão como parte de um plano mais amplo de transferência de tecnologia. Com isso, deve brotar uma miríade de reivindicações jurídicas muito além das fronteiras.
Talvez, essa questão sirva de impulso para reflexão sobre um modelo alternativo de propriedade intelectual e, quem sabe, até para repensar o modelo de desenvolvimento global. Afinal, a pandemia atingiu de forma desigual pessoas e países com a onda de bloqueios, restrições e acesso a vacinas; situação que deve ser sentida por muitos anos.
De qualquer forma, as transformações pós-pandemia terão efeito em todos os aspectos de nossa vida pessoal e profissional, com inúmeros desdobramentos jurídicos à medida que governantes tentarem mitigar as consequências sociais, econômicas e políticas do coronavírus. Sair desse Jumanji exigirá, sobretudo, respostas integradas e interdependentes. Não basta apenas jogar os dados.
*Empreendedor, advogado, fundador e presidente do Nelson Wilians Advogados