Não se trata de bancar o profeta do caos, mas fazer um apelo para se evitar o grande mal.
Enquanto nossos governantes se engalfinham pela permanência no poder, o poderoso dragão da inflação passa a língua de um lado ao outro da boca demonstrando um apetite voraz. Como se já não bastassem as mazelas da pandemia ainda em andamento, agora temos esse outro inimigo a nos espreitar.
E a história, sim, se repete. Não é preciso ser economista para saber que os aumentos da inflação afetam em proporção desigual e impiedosamente aqueles com menor poder aquisitivo.
Não sou pessimista, porém, observo o que está acontecendo no dia a dia em nossos escritórios de advocacia com os índices de atualização para renovação de contratos. Os números afligem a alma, pois se para uns esses índices são vantajosos para outros são caóticos, e o que se apresenta ao final disso tudo será ruim para todos.
A alta de preços das commodities, a valorização do dólar relacionada à tensão política no país, além de um cenário internacional mais conturbado tiraram do sono o dragão da inflação - um fenômeno sobre o qual a maioria dos brasileiros não precisou pensar nos últimos 20 anos.
O déficit fiscal, porém, é a principal escalada para a incerteza. Até o presidente do BC, Roberto Campos Neto, já se queixou do aumento dos gastos do governo em ritmo de campanha eleitoral. Só com a MP que altera o Bolsa Família e outros programas sociais devem ser consumidos R$ 28 bilhões, além dos R$ 34 bilhões atuais. Esse aumento, de acordo com Campos Neto, eleva os gastos públicos acima do teto, tornando "impossível controlar as expectativas inflacionárias".
Ao contrário de outros países que estão preocupados com a inflação por motivo inverso, o crescimento econômico com o coronavírus sob controle, a inflação ressurge quando a nossa economia está criticamente abalada.
Deve ser a maldição venezuelana, com todo o meu respeito ao povo venezuelano. Quanto mais queremos nos distanciar do modelo político e econômico daquele país, mais saímos parecido com ele na foto. Claro que ainda não estamos numa hiperinflação, mas tudo começa com contínuos aumentos nos índices de preços e descontrole fiscal.
A crise política gerada pela tentativa de reeleição do presidente Bolsonaro, que coloca em descrédito o processo eleitoral e ataca ministros do Supremo Tribunal Federal, e outros fatores também estão relacionados a esse descompasso inflacionário. As dificuldades econômicas de agora são similares ao que havia no fim do governo de Dilma Rousseff, porém sem essa turbulência institucional.
Como assinalou o economista americano e vencedor do prêmio Nobel de Economia em 1976, Milton Friedman, "a inflação é tributação sem legislação". Se desgovernada, não favorece a economia, ao contrário, desestimula a produção e o emprego, beneficiando ainda a aparição de oportunistas "políticos e econômicos".
A referência é Ernest Hemingway: "a primeira panaceia para uma nação mal administrada é a inflação da moeda; a segunda é a guerra. Ambas trazem uma prosperidade temporária; ambas trazem uma ruína permanente. Mas ambas são refúgio de oportunistas políticos e econômicos".
Para as garras do dragão, seria esse novamente o nosso destino? Se não dá para fazer o bem, que é fazer o país crescer, pelo menos deve-se buscar evitar o mal. Ainda estamos em tempo, quem tem ouvidos ouça. Quem tem poder, aja.
*Empreendedor, advogado, fundador e presidente do Nelson Wilians Advogados