Mesmo se conseguisse imaginar uma insana tentativa de ruptura institucional, me pergunto: como seria o dia seguinte?
Quem já se fez essa pergunta provavelmente anteviu apenas a ponta do iceberg do caos.
O caos, ao que Saramago descreveu como uma "ordem a decifrar".
A comunidade internacional se posicionando a favor do bloqueio aos produtos brasileiros, a taxa de juros subindo às nuvens para conter uma inflação galopante, o dólar indo à estratosfera, a gasolina e o diesel chegando às bombas com preço de ouro; mais desemprego, mais instabilidade etc., etc., etc.
Como bem escreveu o jornalista José Roberto Guzzo, "o que define se vai ‘ter golpe’ ou não vai ‘ter golpe’ é uma porção de coisas concretas que ficam mais embaixo — muitíssimo mais embaixo".
De fato, não há respaldo para uma tentativa de transição por colapso.
E a única ruptura que vejo até aqui está ainda em andamento, que é a da pandemia e seus reflexos, que irá separar governo de governos, pois ainda estamos mergulhados numa crise sanitária enquanto a inflação zomba de nós em plena recessão.
Em 1964, a economia brasileira estava estagnada quando os militares começaram a governar. As finanças públicas estavam em frangalhos e a inflação anual se aproximava de 100%.
Claramente não é essa a situação que temos hoje no país, mas nossa economia está sem perspectiva e caminhando para um estouro da meta fiscal.
E, como todos sabemos, política e economia andam abraçadas. Se a segunda vai mal, não há quem consiga se manter agarrado à cadeira do poder.
Então, em qual retórica se basearia essa ruptura para ter sucesso?
Seria saltar para o mesmo caldeirão. Em outras palavras, seria um salto do risco para a incerteza.
Como advogado, sou um defensor incondicional das instituições, da livre manifestação de pensamento conforme está em nossa Constituição, do Estado Democrático de Direito e, sobretudo, da nossa Carta Magna. Defendo isso com unhas e dentes.
Nossa estabilidade constitucional está pregada na teoria da separação dos Poderes. Cada Poder tem autonomia para exercer as suas funções. A interferência de um Poder sobre o outro é legítima, mas só é possível a fim de retornar ao status quo, desde que dentro dos limites constitucionais.
A estabilidade e a independência são fundamentais para o bem-servir à sociedade brasileira.
Portanto, quando vejo a corda esticar, só me vem à cabeça que é preciso serenidade, voltar à boa política, que é a arte de dialogar e que diferencia a sociedade de uma barbárie.
Para aqueles que gostam de ostentar a bandeira brasileira como símbolo de patriotismo, meu conselho é que olhem para o centro dela e notem as duas palavras que lá estão: Ordem e Progresso.
Pois, apenas comentários contra a ordem já são suficientes para criar uma instabilidade desnecessária, que atinge grande parte da população e beneficia a poucos — se é que beneficia. Isso me preocupa.
Não há progresso nem ordem sem o comprometimento com as regras constitucionais.
*Empreendedor e advogado