Acredito que um dos grandes méritos da Constituição cidadã de 1988 é seu conjunto de ordenamento para o funcionamento pleno da democracia e o resgate do estado de direito após um longo período autoritário. Com o passar do tempo, algumas disposições de nossa Carta Magna foram ou estão sendo ajustadas para atender novas indigências da sociedade nos campos político e social, como ainda reforçar os processos decisórios democráticos.
É assim que se constrói uma democracia sólida. Há poucos dias, o ex-presidente Michel Temer moveu duas montanhas ao aproximar o chefe do Executivo e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Há ainda entre eles um mar de divergências jurídicas. Mas o convite ao diálogo feito a eles pelo ex-presidente baixou significativamente a temperatura política no país.
Descontentes há de ambos os lados, dos seguidores do presidente aos que enxergam alguma transgressão de Moraes ao falar com Bolsonaro. O fato, porém, é que o país está respirando uma atmosfera menos densa.
Com a devida moderação, quero enfatizar a magnitude do gesto de ambos para a estabilidade institucional. E destacar, sobretudo, o papel de Temer.
O ex-presidente deu à sua vida pública uma nova profundidade histórica: o papel de pacificador, resultado de sua longa fermentação em diferentes cargos, que o moldou um hábil negociador.
Ao distensionar o Executivo e o Judiciário, ele agiu como um defensor das prioridades dos interesses do cidadão comum, que já sente o peso da inflação, do desemprego e da instabilidade política em plena pandemia.
Com um bom senso político, surpreendentemente ausente no cenário atual e desesperadamente necessário, Temer mantém uma relação profética com o presente. Sinceramente, tomara que sua voz seja mais ouvida do que as dos Steve Bannon da vida.
Mas vale perguntar: quais as ambições políticas do ex-presidente Michel Temer? Arrisco-me: acredito que nenhuma. Ele é despretensioso nesse aspecto. Quer, isso sim, continuar a se movimentar dentro do tabuleiro político. E gozar do prestígio de um verdadeiro estadista.
De qualquer forma, o ex-presidente eleva sua estatura em nossa paisagem pública ao nos relembrar, com seu gesto, que a política paga pedágio à Constituição. Como bem assinala o jurista Lenio Streck, em artigo na Conjur, "as democracias contemporâneas são sólidas porque, fundamentalmente, fazem o filtro da política por meio do direito". De fato, não são as crises que devem modelar as regras constitucionais ou delimitar os espaços institucionais.
Como advogado e defensor da nossa Constituição, vejo no resultado da atitude do ex-presidente uma demonstração de que atuar dentro dos limites do direito é o único caminho.
Se tivesse que parafrasear Machado de Assis, que escreveu em "O Empréstimo": "Está morto: podemos elogiá-lo à vontade", eu diria — sob a mira de pedras: Temer está vivo, mas já podemos elogiá-lo.
*Empreendedor e advogado