Caro leitor, depois de uma breve pausa é muito bom retornar. O novo ano segue a pauta do final de 2021: pandemia, inflação e, sobretudo, eleições, o que me faz recordar uma frase do primeiro-ministro inglês Winston Churchill: "A diferença entre os humanos e os animais é que os últimos nunca permitem que um estúpido lidere a manada".
As pesquisas eleitorais continuam a apontar uma polarização entre esquerda e direita, que, diga-se, fornece até aqui uma âncora para a tomada de decisões políticas de parte do eleitorado, na ausência de apego partidário.
No livro "O Mito do Eleitor Racional", o economista americano Bryan Douglas Caplan faz reflexões sobre o comportamento do eleitor. Em síntese, ele diz que o maior obstáculo para uma política econômica sólida não são os interesses especiais arraigados ou o lobby desenfreado, mas os equívocos populares, as crenças irracionais e os preconceitos pessoais dos eleitores comuns.
Caplan argumenta que os eleitores elegem continuamente políticos que compartilham seus preconceitos ou fingem fazê-lo, resultando em políticas ruins que vencem repetidas vezes pela demanda popular. Extremamente provocativo, ele afirma ainda que a democracia falha precisamente porque faz o que os eleitores querem.
Discordo em parte, até porque o direito de votar e determinar quem irá deter o poder político é fundamental e protegido por todas as democracias. A nossa Constituição de 1988, por exemplo, além da inclusão do voto em vários casos, como para presidente da República, assegurou o atual regime político ("Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição").
Até este momento, dois candidatos imensamente conhecidos (Lula e Bolsonaro) continuam a manter acesas "as crenças irracionais e os preconceitos pessoais dos eleitores comuns".
Esse posicionamento vai ao encontro do pensamento do sociólogo e cientista político italiano Giovanni Sartori, que entende que "a competição eleitoral não garante a qualidade dos resultados, apenas seu caráter democrático".
Porém, tudo está dentro do jogo democrático. A democracia política é, sem dúvida, condição indispensável para a conquista das democracias social e econômica. Mas o regime democrático, como é sabido, é caracterizado não apenas pelo aspecto representativo, mas por ser um sistema de expectativas.
Nem sempre a democracia "quantitativa é qualitativa", mas, em tese, o esforço é escolher sempre aquele que irá agir no melhor interesse da nação.
Retornando às eleições de outubro, duas figuras extremamente divisivas predominam no cenário político nacional. Até aqui, a eleição sinaliza a despedida do poder para um e o retorno de outro.
Mas tudo pode mudar no inconstante cenário eleitoral.
Há ainda um tempo, um precioso tempo para que se manifestem milhões de brasileiros, que torcem para que a esquerda e a direita percam, pois não se alinham a essa "identidade social" e aos seus eixos econômicos e socioculturais.
Lula e Bolsonaro carregam um enorme fardo emocional e psicológico, são extremamente dependentes de seus eleitores fiéis e fortemente rejeitados pelos outros. E, ainda, parecem incapazes de satisfazer a uma cidadania mais crítica, distante do engajamento político institucional e do ativismo partidário.
Essa parte do eleitorado, desconfiada, permanece silenciosa.
Mas pensar que esse eleitorado, independente e cansado da polarização está apenas esperando o afago de uma outra opção identificada com o centro é puro engano. Eleitores "moderados" não formam um bloco homogêneo. Eles são complicados, têm pouco em comum e são ideologicamente diversos, não havendo, portanto, um posicionamento simples que agrade a todos.
Sim, há uma incoerência óbvia nesses "moderados", que podem estar propensos a realinhar ou desalinhar em qualquer evento aleatório e no último minuto. De qualquer maneira, eis aí um enorme enigma para os candidatos fora das pontas, que ainda não conseguiram entrar no jogo, e seus marqueteiros.
No mais, torcemos fervorosamente para que a escolha seja qualitativa. Para que vença o melhor! Do contrário, o velho Churchill ficará soprando em nossos ouvidos: "A diferença entre os humanos e os animais ..."
*Empreendedor e advogado