"À medida que a democracia é aperfeiçoada, o cargo de presidente representa, cada vez mais adequadamente, a alma profunda do povo. Em algum grande e glorioso dia, a gente simples dessa terra realizará, finalmente, a plenitude de sua vontade e a Casa Branca será adornada por um completo idiota."
A frase atribuída ao controverso jornalista americano H.L. Mencken é de 1920. Ele era um defensor da liberdade, mas não exatamente um fã da democracia representativa.
Para alguns críticos americanos, a frase de Mencken era uma profecia, que se concretizou com a chegada de George W. Bush à presidência dos Estados Unidos, em 2001. Desde então, ela se realiza novamente a cada mudança no assento da cadeira presidencial da Casa Branca, de acordo com a oposição, claro, ora democrata, ora republicana.
Depois de Bush, já se revezaram no poder Barack Obama, Donald Trump e o atual presidente Joe Biden.
Bush tem contra si a inexplicável invasão do Iraque; Obama, a guerra do Afeganistão, e Trump, esse é hors-concours, incentivou a invasão do Capitólio e colocou em xeque o regime democrático que o conduziu ao poder. Ele deve ter visualizado um horizonte laranja para um golpe de estado. Quanto a Biden, ele está em "construção".
Nesse mesmo período, por aqui, a alma profunda do povo se fez representar por Lula, Dilma e Bolsonaro (os eleitos cabeças de chapa).
"A maior desgraça da democracia é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade." Nosso Nelson Rodrigues também já destilou seu desencanto amargo contra a democracia.
E não consigo deixar de perceber um elitismo nacional cínico arraigado nessa afirmação.
Da mesma forma que não consigo deixar de imaginar uma eleição aos moldes do BBB (Big Brother Brasil). Talvez seja essa a forma mais eficiente para a avaliação dos candidatos, inclusive com um paredão semanal.
Eles estariam expostos ao eleitor 24 horas, sendo possível conhecer bem suas propostas, programa de governo e princípios, sob a pressão da eliminação. Imagine Lula, Bolsonaro, Doria, Moro e Ciro numa mesma casa (uma DR diária)?! A votação aconteceria no site do TSE, responsável pela segurança do sistema. O participante com a porcentagem de mais votado seria eliminado.
Isso é mais uma idiotice? Talvez. Pelo menos evitaria a interrupção da novela com a propaganda eleitoral.
Mas sigamos adiante. Perfeita a democracia não é.
Porém, uma autocracia não vale a mais ineficiente das democracias. Mais importante que a escolha de um candidato é a possibilidade de alternância pacífica no Poder.
Relevante destacar que a pandemia aprofundou a tendência de deterioração democrática. Em 2021, 64% dos países adotaram uma ação considerada desproporcional, desnecessária ou ilegal para conter a pandemia, de acordo com o relatório The Global State of Democracy.
Ainda assim, a maioria das democracias foi resiliente e realizou eleições, e os parlamentares, os judiciários e a mídia conseguiram exercer suas funções de supervisão.
O que comprova, mais uma vez, que a história e a natureza humana não estão do lado do autoritarismo, que quer "silenciar" e "roubar" os cidadãos (para usar parte de outra frase de Mencken).
A alternância no poder por meio de eleições multipartidárias competitivas para resolver as diferenças sociais é um hábito virtuoso. O resultado, obviamente, não segue um caminho predeterminado.
Não por acaso, nossa Carta Magna, de 1988, após o período da ditadura, consolidou as ideias democráticas e o Estado Democrático de Direito. A profusão de partidos, para o bem ou para o mal, tenta alcançar todos os segmentos da população, para que todos sejam representados. Ou seja, nossa Constituição Federal aplicou mais democracia para a "cura dos males da democracia".
Obviamente, que devemos trabalhar para aperfeiçoar as instituições para que promovam os direitos civis e garantam uma sociedade livre e justa, independentemente do chefe do Executivo de plantão.
Ao contrário de uma utopia perfeita e sem defeitos, a democracia é, sim, "a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos", como bem disse Churchill.
E ainda que alternar o poder da direita para a esquerda ou para o centro pareça na superfície uma rachadura irreparável, essa é a capacidade da democracia de se regenerar ao admitir visões diferentes no Poder. E, se não dá certo, nós, os idiotas, espalhados por todas as camadas, temos uma nova oportunidade de mudar tudo, a cada eleição.
*Empreendedor e advogado