Repito com frequência que o que difere coragem de loucura é o resultado.
O presidente ucraniano não começou a guerra. Mas poderia ter colocado fim a ela rapidamente, sem mortes e destruição de seu País. Zelenski, porém, optou pela resistência armada contra um inimigo militarmente muito superior.
Enquanto o Ocidente o aplaudia de pé em aparições na internet e muitos viam nele um Churchill sem chapéu-coco e de smartphone e camiseta verde, ele enfrentava a sua própria extinção em um cenário de terra arrasada que se expandia a cada dia e a cada cidade da Ucrânia.
Algo entre o heroísmo e a insanidade.
Multidão de refugiados, imagens de crianças, mães e idosos esmagados pelas bombas e tanques russos deixaram evidentes a distância entre a real possibilidade de enfrentamento e a persistência de Zelenski.
Suas postagens nas redes sociais, conclamando resistência ao povo ucraniano e pedindo ajuda, nos colocavam em um primeiro momento do lado dele. Com o passar do tempo, nos fazem perguntar se isso não era loucura.
Churchill tinha perspectiva de que os EUA se juntassem a ele na Segunda Guerra Mundial, o que acabou acontecendo. Zelenski por sua vez ouviu inúmeras vezes autoridades americanas e europeias dizerem que não levantariam armas contra a Rússia para não desencadear a Terceira Guerra Mundial.
Exausto e desafiador, o presidente ucraniano foi a faísca que uniu a Europa e provocou um efeito dominó entre os diversos países daquele continente. Até a Suíça, a fortaleza da neutralidade, anunciou o congelamento de ativos russos. A faísca Zelenski também levou russos à rua para protestar contra a guerra de Putin. Mas qual será o resultado disso?
"Eu não quero que a história da Ucrânia seja uma lenda sobre 300 espartanos. Eu quero paz", disse ele em um de seus discursos em referência ao pequeno grupo de combatentes gregos que se tornou exemplo do poder que um exército patriótico e motivado pode exercer para defender seu próprio solo.
Os bravos espartanos, porém, acabaram todos mortos.
A retórica de Zelenski acendeu fortemente a orgulhosa identidade de seu país. Mas até uma pomba sabe que deve fugir quando avista um falcão, ou vários.
Ao resistir, Zelenski está levando à destruição de seu país, ao êxodo e ao massacre de seu povo.
A defesa da soberania da Ucrânia e a liberdade de seu povo são motivos legítimos e nobres para repelir os ataques de Putin. E merecem admiração e elogios. Mas permanecer no campo de batalha em condição de inferioridade bélica tão grande é um "autogenocídio".
Um passo para trás poderia significar a vida de muitos ucranianos e, quem sabe, uma vitória política lá na frente.
Desde a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, a Ucrânia triplicou seu orçamento de defesa e tentou modernizar suas forças — não apenas para se defender dos russos, mas para cumprir os padrões exigidos pela Otan como requisito de entrada.
Ainda assim, é muito clara a superioridade militar russa.
"A guerra é apenas uma invenção, não uma necessidade biológica", assinalou a antropóloga americana Margaret Mead, em 1940.
A invasão da Ucrânia, porém, estava nas entranhas de Putin, um carniceiro que já havia demonstrado seus métodos bárbaros na Síria e capaz de atacar impiedosamente um povo irmão sem que um tiro tivesse sido disparado contra ele ou contra a Rússia. Bastou a ele apenas a intenção de uma nação livre de se europeizar.
A fama de Putin deverá ser a de um "bastardo inglório". A coragem de Zelenski se não vencer a guerra deverá estar manchada pela ruína e pelo sangue dos ucranianos que ele não evitou que fosse derramado.
Sim, embora os ucranianos tenham alcançado algum sucesso contra as primeiras ofensivas russas, causando muitas baixas e perdas materiais, Moscou intensificou o uso de fogo de longo alcance despejando centenas de mísseis no território ucraniano para se livrar de seus desastres táticos, aumentado ainda mais a destruição e o número de corpos pelas ruas ucranianas.
Em um de seus discursos, o chanceler Dmytro Kuleba disse que "a história julgará cada um de nós mais tarde sobre como enfrentamos esse mal. Estou confiante de que todos passaremos neste teste, mas a que preço?"
Essa é a pergunta. A que preço?
Há relatos de que uma insurgência está silenciosamente em andamento. Isso significa que o governo ucraniano está preparando o terreno para operações clandestinas e de guerrilha contra uma ocupação russa de longo prazo. Com ou sem Zelenski.
Talvez o coração mais dividido desta guerra seja o da primeira-dama Olena.
Casada com Zelenski desde 2003, mãe de dois filhos, de 9 e 14 anos, ela foi roteirista da série "Servant of the People", em que seu marido interpreta um professor eleito para presidir o país quase que por acaso.
Ela não previu que seu marido se tornaria o principal líder da resistência ucraniana, nem a dor das mães de ver suas crianças morrendo em ataques russos e o sofrimento de homens "derramando lágrimas ao se separarem de suas famílias, mas retornando bravamente para lutar por nossa liberdade", como ela própria escreveu em uma carta.
Com alvos nas costas dela e de seu marido, Olena Zelenska enviou um apelo desesperado de duas palavras aos Estados Unidos e ao mundo: "PARE A GUERRA".
Buscava obter fora, aquilo que Zelenski não fez: poupar vidas e a ruína da Ucrânia.
*Empreendedor e advogado