"O homem esquece mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio" (Nicolau Maquiavel).
O ataque à economia russa me leva a pensar nas duas grandes Guerras Mundiais, eventos que marcaram profundamente o cenário geopolítico e social no século 20.
Em 1919, o Tratado de Versalhes tinha como objetivo inviabilizar economicamente a Alemanha, após ser derrotada no conflito. O tratamento dado à Alemanha criou um ambiente propício para a deflagração da Segunda Guerra.
Não sei se as sanções ora impostas à Rússia resolverão ou irão agravar o problema. Mas vale lembrar: "A diferença entre o remédio e o veneno está na dose" (Paracelso).
Bush achou Putin confiável
No dia 26 de fevereiro, quando o exército da Rússia enfrentava uma forte resistência ucraniana, a agência estatal de notícias online RIA Novosti dizia aos russos: "Um novo mundo está nascendo diante de nossos olhos. A operação militar da Rússia na Ucrânia deu início a uma nova era".
Contra a sangrenta ação das forças de Vladimir Putin na Ucrânia, bem no quintal da Europa, se deu uma outra ação, inédita e não menos intensa.
Enquanto Putin tentava se livrar do papel de agressor cruel, Volodymyr Zelensky tentava mostrar ao mundo o que o russo queria esconder com sua narrativa desconectada da realidade.
Aparentemente ignorando os apelos por sua segurança, Zelensky — um comediante de profissão e bem-preparado para encarar as câmeras em situações difíceis — usou sua empatia para ajudar a motivar e sustentar os ucranianos, reafirmando a teoria de que "os líderes não nascem, mas são feitos".
Zelensky até o momento parece que virou herói, convenceu o mundo a apoiá-lo e, ainda, ligou o countdown do fim da era Putin, teoricamente.
Movidos pelo forte impacto emocional, pela opinião pública, pela ameaça à paz e aos valores em ascensão no Ocidente e em todo o mundo, os chefes de Estado americanos e europeus se posicionaram fortemente contra o invasor, aplicando a ele pesadas e inéditas sanções econômicas, com restrições e bloqueios a vários bancos, às exportações e importações russas.
As sanções se estenderam ao congelamento de bens de Putin, de seus ministros e da elite financeira próxima ao presidente, com a apreensão de dinheiro, iates, casas e jatos.
Putin enviou repetidos sinais de que pretendia ampliar a esfera de influência da Rússia. Ele deixou claro que via a Ucrânia como parte de seu país. Ainda assim, os líderes ocidentais não imaginavam que Putin seria capaz de realizar uma invasão em grande escala.
Recordo aqui as palavras de George W. Bush em sua primeira reunião com Putin na Eslovênia, em junho de 2001: "Olhei o homem nos olhos e o achei muito direto e confiável... Pude ter uma noção de sua alma. Ele é um homem que está profundamente comprometido com seu país e com os melhores interesses de seu país".
Em parte, Bush tinha razão.
A vitória de Putin no campo de batalha deve ter um significado pequeno diante das consequências que ele e o povo russo terão de enfrentar.
Em desvantagem, o acidente moveu algumas peças para colocar em xeque a economia russa. E, ainda que as sanções de alta complexidade demorem algum tempo para surtir efeito em seu conjunto, o objetivo é desencadear uma crise bancária, sobrecarregar as reservas financeiras de Moscou e levar a economia russa a uma profunda recessão ou ruína.
Como o poderoso Império Romano ruiu paulatinamente com a crise do sistema escravista, a estagnação comercial, a diminuição da produção agrícola etc., espera-se também a derrocada do império Putin.
Putin não apenas subestimou os ucranianos como subestimou todo o resto do mundo.
É preciso lembrar que, durante duas décadas de poder, o mandatário russo encontrou pouca resistência e até aquiescência do Ocidente, que financiou seu projeto militar e chancelou seus atos. E, diga-se, mesmo agora em meio a sanções, o Ocidente está enviando centenas de milhões de dólares diariamente para pagar o gás russo.
Contudo, seus ataques implacáveis com mísseis atingindo alvos civis e ameaças a outros países europeus não poderiam ter comunicado mais claramente ao Ocidente que essa é uma luta entre o "bem e o mal", embora o "bem e o mal" sejam relativos.
E isso, obviamente, nos leva a uma questão fundamental, a de como podemos prevenir guerras.
Para usar uma frase da escritora Nancy Koehn, "toda crise é uma boa sala de aula". E essa guerra, escancaradamente russa, nos ensinou que há uma nova relação de interconexão e interdependência global, muito além de uma mesa gigante de onde um autocrata vomita ordens para aumentar a sua esfera de influência à base da força e colocar em risco o mundo. A parte agora pode ser rapidamente o todo.
Ovo da Serpente
Não mais vivemos em um aquário. E uma guerra econômica nas proporções da atual é a primeira vez que vemos. Dará certo?
Esperamos apenas que o ovo da serpente, como o que gerou a Segunda Grande Guerra, não esteja sendo gestado.
*Empreendedor e advogado