Atraso na implementação de direitos legais afeta pacientes com câncer

15º Fórum Nacional Oncoguia discute desafios e prioridades dos pacientes; leis para acelerar diagnóstico e tratamento não são cumpridas

Representantes do Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais, Inca e especialistas discutem a política nacional de enfrentamento do câncer Masao Goto Filho/Estúdio Folha

No Brasil, pacientes com câncer esperam até 200 dias para conseguir um diagnóstico no Sistema Único de Saúde (SUS), embora a lei 13.890 estabeleça até 30 dias para a realização de exames. Por conta desse atraso, 62% desses pacientes recebem diagnóstico em estágios avançados.

Embora a lei 12.732 determine 60 dias como prazo máximo para início do tratamento, a ser contado a partir do diagnóstico, isso é descumprido em mais de 60% dos casos.

"Temos direitos, temos leis e temos políticas para atender as pessoas com câncer, como a Política Nacional de Navegação de Pacientes e a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, mas também temos omissão e problemas de gestão, pois os prazos são descumpridos e muita coisa não sai do papel", afirmou Luciana Holtz, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, ONG de apoio, informação e defesa dos direitos dos pacientes e familiares com câncer.

Os desafios e prioridades do paciente com câncer foram discutidos no 15º Fórum Nacional Oncoguia, que reuniu especialistas de vários Estados do Brasil, pacientes e representantes da sociedade nos dias 23 e 24 de abril, em São Paulo. "Em 2022, cerca de 20 milhões de pessoas tiveram o diagnóstico de câncer e quase 10 milhões morreram da doença", disse Janainny Fernandes, consultora nacional de Doenças Crônicas Não-Transmissíveis da Organização Pan-Americana da Saúde. Ela afirmou que o câncer é democrático na incidência, mas não na mortalidade. "57% das incidências estão nos países mais desenvolvidos. E 70% das mortes ocorrem nos países menos desenvolvidos."

As Américas ficam no nível intermediário, com alta incidência da doença e alta mortalidade. "Estamos avançando para detecção precoce, diagnóstico preciso, mas os mecanismos de tratamento ainda não são tão eficazes para reduzir a mortalidade. 45% das mortes ocorrem prematuramente. São pessoas que não deveriam morrer por isso."

DESIGUALDADE NO SUS

Durante o fórum foi apresentada a segunda edição da pesquisa Meu SUS é Diferente do Seu SUS. A primeira edição do estudo científico inédito e pioneiro do Oncoguia, em 2017, identificou padrões e diferenças no tratamento ofertado pelos hospitais oncológicos do SUS para pacientes em todo o país.

Oito anos depois, pouca coisa mudou. Nesta segunda edição do estudo, dos 268 hospitais questionados (há 318 habilitados em oncologia no país), 95 responderam a questões como protocolos utilizados no cuidado oncológico e lista dos medicamentos usados em cinco tipos de câncer mais incidentes no Brasil: mama, próstata, pulmão, colorretal e melanoma.

Conclusão: a ausência de protocolos unificados e atualizados para o câncer em hospitais do SUS gera enormes disparidades regionais, com cada hospital adotando suas próprias condutas. Alguns não oferecem nem o que está preconizado pelo Ministério da Saúde. Há também diretrizes oncológicas desatualizadas e que não levam em conta medicamentos aprovados pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde). "O estudo mostra que a desigualdade persiste dentro do SUS. O paciente tem acesso a tratamentos distintos dependendo do CEP e da instituição. Isso não é equidade: é abandono institucionalizado", disse Luciana.

Existe um consenso entre os especialistas de que o atual modelo de cuidado oncológico não atende às necessidades dos pacientes. A Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, regulamentada neste ano, instituiu a necessidade de criação de protocolos que definirão o mínimo a ser ofertado em cada hospital. Mas, de acordo com o estudo, esses protocolos ainda não estão disponíveis.

Para os palestrantes, há uma necessidade urgente de protocolos nacionais, atualizados, obrigatórios e vinculados a financiamento, com diretrizes que orientem e sustentem de fato o cuidado em todos os hospitais oncológicos.

PREVENÇÃO E CONTROLE

A Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer prevê o acesso ao cuidado integral da pessoa com a doença, englobando prevenção, detecção precoce, tratamento e cuidados paliativos.

"Identificamos problemas na gestão da nova PNPCC: o Governo Federal trabalha a implementação de modo tripartite, com o gestor estadual e com o gestor municipal, mas é preciso delimitar o que é responsabilidade de cada ente federativo. Então, criamos um plano operativo, para tentar organizar a linha de cuidados do paciente, da prevenção aos cuidados paliativos, de forma que a pessoa tenha um atendimento digno em qualquer momento que chegar a algum serviço público", afirmou Aline Leal Creder, assessora técnica da coordenação-geral do câncer do Ministério da Saúde.

Segundo Aline, o PNPCC vai contar com o apoio do Programa Mais Acesso a Especialistas, lançado em 2024 com o objetivo de reduzir filas de espera e aumentar o acesso a consultas e exames especializados no SUS. "Esse programa foi criado para tentar viabilizar a implantação das leis dos 30 dias e dos 60 dias."

Sobre a questão dos protocolos e diretrizes para os principais tipos de câncer, a representante do governo afirma que eles estão sendo revistos e elaborados. "Temos uma lista de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) em andamento. O primeiro publicado foi o do câncer de mama. Na sequência teremos o protocolo do câncer de útero e de ovário. Mas existem barreiras de financiamento. O novo protocolo inclui medicamentos e novos procedimentos que foram incorporados pela Conitec e, para a efetivação, é preciso garantir o repasse de verba para os hospitais."

GESTÃO TRIPARTITE

Rodrigo Lacerda, assessor técnico do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), afirma que a instituição tem discutido junto com o Conselho Nacional das Secretarias Estaduais de Saúde (Conass) e o Ministério da Saúde de forma tripartite as diversas estratégias e ações para minimizar o impacto do câncer em todos os territórios. Mas os desafios são enormes.

"Se fala muito de incorporação de tecnologia, mas gastamos quase 2/3 dos recursos com quimioterapia. Nós não estamos conseguindo fazer o básico. Gastamos muito em quimioterapia porque não estamos conseguindo que os pacientes cheguem no estadiamento precoce para poder tratar e ter respostas melhores. Já partimos para ações intervencionistas e muitas vezes sem perspectiva nenhuma de salvar vidas", disse.

E completou: "Nós, todas as instituições, precisamos correr atrás das dificuldades práticas, de financiamento, de acesso, de provimento. Junto com o Congresso e ONGs como o Oncoguia."

Luciana Vieira, assessora técnica do Conselho Nacional das Secretarias Estaduais de Saúde (Conass), afirmou que o órgão vem trabalhando com o conceito de que só vai ser possível tratar o câncer se trabalhar como rede de atenção à saúde.

"O SUS começou, em 2010, a trabalhar com a lógica de cuidado integral. O atendimento não deve acontecer só no hospital, numa policlínica ou na unidade de atenção primária. Ele precisa acontecer de forma integrada e integral. Temos diversos serviços, diversos pontos de atenção, diversos níveis de complexidade que precisam conversar entre si. E agora vamos estabelecer esse mesmo conceito para prevenção e controle do câncer", afirmou.

Ela reforça que os serviços de oncologia do SUS estão concentrados em grandes centros: as pessoas precisam percorrer uma distância rodoviária imensa para conseguir se tratar. Diante desse cenário, considera que só será possível vencer o câncer se houver reforço na prevenção, na promoção de saúde, no rastreio e no diagnóstico precoce. "Estamos construindo o que está determinado na portaria: um plano operativo para entender como vamos resolver cada um desses gargalos. Não conseguiremos resolver todos de uma vez só, mas é preciso definir por onde começar."

*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha