Laboratório da Fiocruz fará testes genéticos para o SUS

Testagem molecular indica características do câncer e é essencial para definir melhor tratamento; acesso a exames e medicamentos de ponta é desafio

Os avanços na oncologia revolucionaram o tratamento do câncer nas últimas décadas. Novas abordagens não focam apenas o órgão afetado, mas se baseiam em testes moleculares e no rastreamento dos genes, buscando detectar a presença de determinados defeitos nas células, ou seja, a origem do tumor.

A partir da identificação da alteração celular é definido o tipo de tratamento para frear o crescimento desordenado dessas células. Resultado: maior assertividade no combate ao câncer. É a oncologia de precisão, que caminha lado a lado com a medicina personalizada. O grande desafio é ter acesso a esse diagnóstico mais preciso e aos medicamentos de última geração. Essa discussão permeou vários debates do 15º Fórum Nacional Oncoguia.

"A testagem molecular é o sobrenome do câncer e é essencial para definir o melhor tratamento", afirmou o oncologista Fernando Moura, membro do comitê científico do Oncoguia. Um exemplo: em 2002, o único tratamento do câncer de pulmão metastático (quando a doença atinge outros órgãos) de células não pequenas era a quimioterapia. E o tempo médio de sobrevida global era de oito meses. A partir dos testes genéticos foi identificada uma mutação molecular chamada EGFR e desenvolvido um medicamento que atua diretamente nessa mutação. "Um estudo feito entre 2018 e 2020 mostrou que, com essa terapia-alvo, a sobrevida média global saltou para 38 meses."

Erika Martins de Carvalho, coordenadora geral da Unadig, fala sobre o laboratório de diagnóstico molecular da Fiocruz - Masao Goto Filho/Estúdio Folha

Esse tipo de teste molecular, o sequenciamento de nova geração (NGS, Next Generation Sequencing) não é oferecido no Sistema Único de Saúde. Mas foi apresentada no fórum uma luz no fim do túnel. A Unadig, Unidade de Apoio ao Diagnóstico, laboratório de inovação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, vai começar a realizar esse tipo de teste em parceria com o Inca (Instituto Nacional do Câncer).

"A Unadig foi construída durante a pandemia para a ampliação da testagem da Covid. A unidade conta com dois grandes laboratórios de autoprocessamento, para diagnóstico clínico e diagnóstico molecular. A proposta é usar o know how conquistado na pandemia para o câncer", afirma Erika Martins de Carvalho, coordenadora geral da Unadig.

Ela afirmou que o laboratório de sequenciamento genético está implantado. "Adquirimos dois sequenciadores de DNA para fazer análise de painéis com 72 genes, abrangendo os principais tipos de câncer hereditário: mama, ovário, colorretal e próstata, e um sequenciador de nova geração para fazer o sequenciamento total completo."

Luciana Holtz - Divulgação

Temos direitos, temos leis e temos políticas para atender as pessoas com câncer, mas também temos omissão e problemas de gestão

LUCIANA HOLTZ

FUNDADORA E PRESIDENTE DO ONCOGUIA

O laboratório de diagnóstico clínico atende as áreas de bioquímica, coagulação, hematologia e hormônios, com portfólio de 24 exames. O de diagnóstico molecular trabalha com biologia molecular, RT-PCR e sequenciamento genético, com portfólio abrangente.

"Podemos auxiliar o SUS em todos os níveis de cuidado à saúde, desde a atenção e prevenção primária, com exames de sangue, urina e RT-PCR, como na secundária, apoiando os centros especializados com diagnóstico por NGS, acompanhamento do paciente oncológico e em hospitais de grande porte, onde o NGS pode auxiliar nas escolhas de tratamento", concluiu Erika.

Brasil tem nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer

Em fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Federal 14.758/23, que institui a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer. O objetivo é diminuir a incidência dos diversos tipos de câncer, garantir o acesso ao cuidado integral, contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e reduzir a mortalidade e a incapacidade causadas pelo câncer.

"A nova lei reconhece a importância da oncologia e amplia o olhar sobre o câncer ao incluir, por exemplo, o acesso ao cuidado integral, que abrange prevenção, rastreamento, detecção precoce, diagnóstico tratamento, reabilitação, cuidados paliativos e apoio psicológico ao paciente", afirmou Aline Lopes, da Coordenação-Geral da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (CGCAN), do Ministério da Saúde, que participou do 14º Fórum Oncoguia. "A lei também traz aspectos inovadores, como o Programa Nacional de Navegação da Pessoa com Diagnóstico de Câncer, que prevê o acompanhamento de toda a jornada do paciente."

O fórum contou com a participação virtual de Adriano Massuda, secretário de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, que reconheceu os desafios enfrentados pelos pacientes com câncer. "A população não pode ficar esperando anos numa fila para fazer um exame, um procedimento. Enfrentar um problema complexo como esse, que tem a ver com a estrutura do sistema de saúde, exige não apenas mais recursos mas aprimorar a governança na área de oncologia", afirma.

Segundo Massuda, o programa Mais Acesso a Especialistas, recém-lançado, vai contribuir para reduzir a espera por exames e tratamentos no SUS. "Vamos fazer uma mudança revolucionária: em vez de pagar por procedimento, que é o que acontece hoje, vamos financiar o cuidado integral. Mas não se muda o sistema do dia para a noite: é um processo. Começaremos pelo diagnóstico, que é central para o câncer. A ideia é fazer o diagnóstico precoce e financiar uma lógica na qual consultas e exames sejam remunerados de maneira integrada."

6 de 10 remédios judicializados deveriam estar no SUS

Os gastos do Ministério da Saúde com a judicialização de medicamentos têm aumentado exponencialmente. Em 2019, por exemplo, esses gastos atingiram R$ 1,3 bilhão. Estudos indicam que as despesas do SUS com a judicialização de remédios cresceram mais de 1.000% nos últimos anos.

Diante desse quadro, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2024 definiu que medicamentos não incorporados ao SUS, em regra, não podem ser concedidos judicialmente. A decisão busca estabelecer parâmetros mais claros para o fornecimento de medicamentos, evitando a sobrecarga do Judiciário e garantindo que os recursos do SUS sejam utilizados de forma mais eficiente.

"Com essa decisão, o STF reforça o papel da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), mas o Ministério da Saúde tem o dever de mostrar que a política pública de incorporação de medicamentos é eficaz, e a Conitec precisa mostrar que é capaz de fazer o medicamento chegar ao paciente", afirmou Raquel Guimarães, diretora de Public Affairs e Market Access da Prospectiva Public Affairs Latam.

O prazo legal para que os medicamentos e tecnologias aprovados pela Conitec sejam incorporados ao SUS e disponibilizados aos pacientes é de 180 dias. Mas a realidade é outra: muitos medicamentos com incorporação aprovada não estão disponíveis, e o prazo de 180 dias é frequentemente desrespeitado. "Dos 10 medicamentos judicializados que representam os maiores gastos para o Ministério da Saúde, seis já estavam incorporados pela Conitec, sendo que só um deles ainda estava no prazo definido pela legislação para disponibilização", afirmou Raquel.

*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha