Com duas de suas obras dentro da lista dos 25 Melhores Livros Brasileiros do Século 21, a escritora Conceição Evaristo ressalta o importante trabalho feito por editoras independentes, principalmente aquelas que dão voz a escritoras e escritores negros.
Os livros "Olhos d’água" e "Ponciá Vicêncio", de Conceição Evaristo, ocupam, respectivamente, a 8ª e 11ª posições do ranking da Folha. Ambos foram publicados pela Pallas Editora.
"Eu estou muito feliz, e não só por mim. E receber essa distinção nos traz uma responsabilidade", afirma. "São livros escritos a partir da perspectiva de uma mulher negra. [Estar na lista] Significa que o nosso lugar de conhecimento, que os nossos modos de se portar no mundo, que a nossa maneira de compor literatura, têm um valor de ciência, de sabedoria."
Para Conceição, os livros "provocam os leitores". "Eles ‘contaminam’ as pessoas em alguma coisa. Tenho encontrado muita gente, inclusive com experiências sociais que não as minhas, que me dizem: ‘Depois que li o seu texto, passei a entender as coisas de maneira diferente’."
A Pallas sempre se voltou para as temáticas negras. Faz parte das editoras que têm esse papel, essa função de ajudar que o texto seja publicado e o autor saia do ineditismo
Nascida em Belo Horizonte em 1946, ela entrou para o mundo literário quando tinha quase 45 anos. Mas sempre teve a escrita como uma companheira.
"Nunca achei que a minha escrita poderia chegar a esse lugar. Mas nada ocorreu repentinamente. Estou em evidência, mas ela vem sendo construída com o tempo", analisa.
Para a escritora, as editoras independentes são como ritos de passagem. "Comecei a publicar em 1990, com quase 45 anos, pelo Quilombhoje, um grupo autofinanciado. A Pallas sempre se voltou para as temáticas negras. Faz parte das editoras que têm esse papel, essa função de ajudar que o texto seja publicado e o autor saia do ineditismo."
Pallas, 50 anos
Sócia e terceira geração da família que fundou a Pallas Editora, Mariana Warth afirma que sente "um orgulho enorme ter uma autora tão importante sendo reconhecida em uma lista de 25 melhores livros do século".
"Isso é fruto da qualidade da literatura da Conceição e, também, da qualidade do nosso trabalho como editora, que sempre correu atrás para ela ter os seus livros disponíveis em todo o Brasil."
Mariana lembra que a Pallas não é uma editora de grande porte e muito menos uma casa que está ligada a um conglomerado multinacional. A editora completa 50 anos neste 2025, sempre tendo como foco obras de autores e temas ligados à história, religião, literatura e identidade negra.
A Pallas é fruto do trabalho de Antônio Carlos Fernandes, avô de Mariana. "Ele foi um dos fundadores. Os sócios foram saindo e ele virou o único dono. E começou a investir em livros de cantigas, oferendas para orixás", conta. A segunda geração veio com Cristina Warth.
"A minha mãe é formada em História, deu aula por muitos anos. Começou a trabalhar na editora e levou um olhar para a antropologia, filosofia, sociologia, sempre dentro da perspectiva da herança africana no Brasil. Ela trouxe o diálogo com a universidade", explica.
Mariana, por sua vez, trouxe um novo olhar. "Entrei e tentei trazer o diálogo com a literatura e a literatura infantojuvenil. Então cada geração teve a sua marca na construção do catálogo da editora. Sempre com foco na cultura afrodiaspórica."
Hoje, o catálogo da Pallas é bastante extenso. Acolhe autores do Brasil, Angola, Togo, Camarões, Guiné-Bissau, África do Sul, Cuba, Nigéria e EUA, entre outros países.
O caminho, porém, não foi fácil. "Lá atrás, quando comecei a trabalhar na editora, existia uma resistência enorme do mercado livreiro com os nossos livros. A gente suava muito a camisa pra vender para as livrarias, criava uma prateleira de autores afro-brasileiros. Era uma luta", relembra.
Naquele cenário, a Pallas encontrou espaço em um local inusitado para o mercado editorial: "Vendíamos muitos livros para casas de artigos religiosos. Era um mercado que a indústria do livro não conhecia".
A virada veio com a Lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de cultura africana e indígena nas escolas. "Foi uma conquista do movimento negro, as editoras começaram a correr atrás de obras nessas áreas. Houve um aumento da demanda das escolas, dos professores. O assunto deixou de ser de nicho e passou a ser acessível para todos", avalia Mariana.
Pioneirismo
A Pallas foi pioneira na publicação de autores negros e na promoção da cultura afro-brasileira. "O resultado desse trabalho é muito positivo. Lá atrás, as nossas publicações formaram muitas pessoas. Temos editores negros e uma presença maior de expressões de autores afrodescendentes. Fico feliz que hoje não somos a única editora nessa área. Temos muita gente se interessando pelo assunto e já não é mais considerada uma literatura menor ou marginal", celebra.
O catálogo reúne nomes como Conceição Evaristo, Eliana Alves Cruz, Cidinha da Silva, Ynaê Lopes dos Santos, Reginaldo Prandi, Nei Lopes, Ondjaki, entre muitos outros. A construção disso tudo "tem muito do faro dos editores. Temos o hábito de fazermos muitas leituras, vamos a feiras para ver o que está acontecendo", explica Mariana.
O contato com autores internacionais, como a camaronesa Léonora Miano, é fruto desse olhar atento: "É uma autora de quem já publicamos quatro livros. E vamos publicar mais dois ensaios dela. São autores que vamos descobrindo ao longo da vida. Por sermos uma editora independente, vamos conhecendo editoras do mesmo tipo em diversos lugares do mundo. Isso nos ajuda a descobrir autores".
*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha