Fumantes brasileiros buscam alternativa ao cigarro tradicional, mas esbarram em proibição

Alberto Rocha
O advogado Felipe Terra, 35, diz que só descobriu outras alternativas quando um amigo trouxe da Inglaterra um kit de tabaco aquecido

O Brasil é referência global no combate ao tabagismo. Em relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado neste ano, foi reconhecido como o segundo país a implementar integralmente as medidas de controle do tabaco indicadas pela entidade -o primeiro foi a Turquia. Na última década, o Brasil reduziu em 40% o número de adultos fumantes.

Ainda assim, segundo uma pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde, cerca de 20 milhões de brasileiros afirmam ser fumantes. Um contingente de pessoas que sabem os riscos associados a esse hábito, mas decidem continuar a consumir tabaco. Hoje, essas pessoas não têm o direito de escolher entre opções apontadas como de risco reduzido em relação ao cigarro.

O advogado Felipe Terra, 35, fuma há mais de 10 anos e só descobriu que existem outras alternativas quando um amigo, que mora na Inglaterra e também é fumante, trouxe na bagagem um kit de tabaco aquecido. "Nunca tinha visto. Usei uma vez e me interessei. Depois, soube que a venda é proibida no Brasil."

O tabaco aquecido já é comercializado em mais de 50 países. Embora não seja livre de riscos, a ciência aponta na direção da redução de danos, considerando que esses produtos não queimam a folha do tabaco, processo que libera a maior parte dos componentes tóxicos inalados pelo fumante.

Os cigarros queimam a uma temperatura acima dos 600º C. Já no tabaco aquecido, a tecnologia permite que a temperatura máxima chegue a 350º C, reduzindo a formação de componentes nocivos em cerca de 95% quando comparado ao cigarro.

Além do tabaco aquecido, vários países também permitiram a comercialização do cigarro eletrônico, um vaporizador que aquece um líquido que geralmente contém nicotina e agentes de sabor. Ambos não têm combustão, mas o tabaco aquecido tem o cheiro e o gosto do tabaco.

Diferentemente de muitos dos vaporizadores, os produtos de tabaco aquecido não podem ser manipulados pelo próprio consumidor e não permitem a adição de aromatizadores ou de outros produtos, que podem ser atrativos para não fumantes.

Felipe Terra sempre quis encontrar uma forma de continuar a consumir tabaco, mas sem fumaça e sem afetar quem está por perto. É o caso também do artista plástico Eduardo da Silveira, 26, que gostaria de ter acesso a outros produtos de tabaco. Ele conheceu o tabaco aquecido graças a uma amiga que voltava da França.

"Ela me deu o kit com o dispositivo e o maço com os bastõezinhos para aquecer. O ritual é bem semelhante ao de um cigarro tradicional. Isso é importante para mim", conta.

Depois de utilizar o maço inteiro, ele garante que dá para tentar se adaptar. "Mas não quero que minha amiga vire contrabandista", brinca.

Em 2009, uma resolução da Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, proibiu a comercialização e a importação de qualquer dispositivo eletrônico para fumar. À época, a agência alegou que faltavam dados científicos sobre o tema.

"Por conta de uma regulamentação de dez anos atrás, essas novas tecnologias ainda não estão disponíveis para os adultos fumantes brasileiros", afirma Fernando Vieira, diretor de Assuntos Externos da Philip Morris.

Para ele, o debate tem sido muito tímido por aqui. "Tem dado espaço à desinformação. É notória a necessidade de que essas tecnologias sejam avaliadas criteriosamente e cientificamente. Os adultos fumantes precisam ter acesso a alternativas que têm se provado melhores do que o uso de cigarro combustível, que é a pior forma de consumir nicotina", completa.

Vários países, como Reino Unido, Japão e, mais recentemente os Estados Unidos, já autorizaram a comercialização dos produtos de tabaco aquecido. Pesquisas mostram que eles são eficazes na redução de até 95% na liberação de toxinas, mas há uma crítica de que esses novos produtos possam funcionar como um incentivo a que novas pessoas fumem, o que contraria as políticas mundiais de combate ao tabagismo.

Dados mostram que não é o que aconteceu no Japão. Pesquisas naquele país demonstraram que 98% dos usuários de produtos de tabaco aquecido já eram fumantes, tendo apenas trocado o cigarro tradicional pelo tabaco aquecido.

Vanessa Ferrari, 48, editora de livros, acaba de voltar dos Estados Unidos, onde conheceu o tabaco aquecido. Ela, porém, diz que não experimentou porque sabe que o produto ainda não tem a venda autorizada no Brasil.

"Pela lógica da redução de risco, seria bom ter celeridade com a questão da regulamentação. Se já está presente em tantos países, devemos considerar, sim, a possibilidade de poder escolher", avalia.

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