A Reforma Tributária abre oportunidade para o setor de equipamentos médico-hospitalares do Brasil decolar. As promessas de o novo sistema trazer segurança jurídica, simplificação e tratamento diferenciado para a área da Saúde se traduzem em maior competitividade e inovação. Para a ABIMED (Associação Brasileira da Indústria de Tecnologia para a Saúde), o resultado seria investimentos e impulso para o setor consolidar-se como hub de produção para a América Latina e conectar-se às cadeias internacionais de valor.
O provérbio "o diabo mora nos detalhes", porém, tem sido repetido pelas 200 empresas associadas da entidade, que representam 65% desse mercado. A atual tributação é sinônimo de pesadelo, mas o projeto final do Ministério da Fazenda ainda não foi apresentado e há grande expectativa sobre quando e como virá à tona. O governo já definiu que a proposta será apresentada pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados. De qualquer forma, tópicos cruciais serão definidos em leis complementares, depois da aprovação da reforma, causa inquietações.
"Uma reforma modernizante, que traga segurança jurídica sobre a questão tributária, abre um corredor de oportunidades para o setor tornar-se mais competitivo e atrair investimentos", diz Fernando Silveira Filho, presidente-executivo da ABIMED. "Mas serão as leis complementares que definirão os principais tópicos."
O projeto do Ministério da Fazenda deve unificar quatro tributos no novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços): o estadual ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e os federais IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e PIS/Cofins. Há chances de o ISS (Imposto sobre Serviços) entrar nessa equação.
O IBS teria alíquota uniforme para todos os setores e eliminaria subsídios que hoje distorcem a competição entre empresas no país. Também unificaria as 27 diferentes leis estaduais sobre o ICMS e acabaria com a incidência de tributos em cascata sobre a produção.
Só esses passos trariam uma imensa simplificação para as empresas do setor, que hoje observam 110 diferentes arranjos tributários relativos ao ICMS, IPI e PIS/Cofins.
Entretanto, há o risco de a reforma onerar ainda mais segmentos do setor de tecnologia médica e não reconhecer o princípio da "essencialidade" da área da saúde. Em outras palavras: não incluir alíquotas reduzidas de IBS.
Em linha com outras entidades, a ABIMED defende que as alíquotas do IBS para a Saúde sejam convergentes às praticadas pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), que concentra os países mais desenvolvidos. No Brasil, o setor brasileiro de tecnologia médica tem carga tributária média de 27%, no seu segmento industrial, e de 32%, no comercial.
Dados da OCDE de 2018 mostram que 28 dos 35 países-membros que adotam o imposto sobre valor agregado concedem reduções ou isenções para a área da Saúde. Desse grupo, 11 diminuem substancialmente as alíquotas para equipamentos médico-hospitalares, que não superam os 12%. Entre eles, a Austrália, o Canadá e a Irlanda as mantêm em zero.
"Entendo que a reforma não pode onerar os setores da saúde em nenhuma hipótese. É preciso lembrar que a ONU destaca a área da Saúde, especialmente o nosso setor, como driver do crescimento econômico", diz Silveira.
Segundo ele, há potencial para a consolidação de cadeias de produção, e as políticas públicas do atual governo estão orientadas para a ampliação das exportações de bens e serviços de saúde. O Brasil é candidato natural a responder pela América Latina, mas a atual tributação tem sido um sério empecilho e favorecido investimentos em outros países, como China e Índia.
Como polo latino-americano, o Brasil usufruiria dos benefícios de incorporar mais tecnologia avançada e inovação, reduzir os custos da saúde pública e privada e dar maior vazão à qualificação de trabalhadores –uma marca da área de tecnologia médica. As empresas do setor acumulam 81 mil produtos registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o que representa uma chancela de seu compromisso com a inovação e os padrões rigorosos de produção, segundo Silveira.
Estudo da LCA Consultores encomendado pela ABIMED concluiu que cada R$ 1 investido em tecnologia para a saúde gerou R$ 1,50 de impacto positivo no PIB. Para a população, trata-se de melhoria do bem-estar, com redução de internações, de cirurgias e da taxa de mortalidade intra-hospitalar. Para a economia, a expansão do setor de tecnologia médica já representou R$ 13,8 bilhões a mais no PIB do país entre 2009 e 2019.
"A ausência da premissa da essencialidade da saúde na reforma significará o maior golpe no setor", diz Patricia Frossard Piteri, vice-presidente do Conselho de Administração da ABIMED e líder da Philips no Brasil, que fabrica no país equipamentos sofisticados de diagnóstico por imagens e oferece software de prontuário hospitalar.
Frossard explica que, todo ano, a matriz da Philips estuda onde novas linhas de produção serão alocadas. Um dos limites de sua argumentação em favor do Brasil está na tributação. "Com uma reforma que considere a essencialidade da saúde, o país entrará novamente no mapa da Philips e de outros investidores."
O cenário para a reforma tributária traz outras zonas cinzentas. Uma delas é o período de transição até a adoção completa do IBS –algo entre seis e dez anos. Silveira pondera que os quadros econômicos global e nacional podem se alterar nesse longo período e forçar novas mudanças na tributação. Também adverte que os preços relativos de bens e serviços do setor podem acabar onerados.
Há ainda dúvidas sobre a promessa do governo de desonerar a folha de pagamentos em uma segunda etapa da reforma. Para Frossard, será preciso cuidar do tema logo no início da transição para o IBS e afastar o risco de compensar essa medida com a criação de outros tributos. Do contrário, as políticas de atração de investimentos e de inserção do país no mapa mundial da produção industrial serão inócuas.
Resta ainda um cenário pior pela frente: de a reforma não ser aprovada. "O Brasil continuaria a ser um país subdesenvolvido da América Latina, com baixa competitividade. Mas confio na capacidade negociadora do governo", avalia Frossard.