Mudanças ameaçam Programa de Alimentação do Trabalhador

Se não incluir proibição de rebate para todos os tipos de vale e auxílio-alimentação, nova regulamentação porá em risco programa que beneficia mais de 22 milhões de brasileiros

Mudanças ameaçam Programa de Alimentação do Trabalhador

Mudanças ameaçam Programa de Alimentação do Trabalhador Tomaz Silva/Agência Brasil

O Brasil está concluindo um processo para modernizar e aperfeiçoar o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) que, por meio de benefícios fiscais aos empregadores, garante vales para as refeições dos trabalhadores. Entretanto, em meio a muitas mudanças positivas, como a introdução de novas tecnologias de pagamento, o projeto em discussão no Executivo pode reduzir o poder de fiscalização do governo federal, manter práticas abusivas e anticoncorrenciais e ainda desidratar o PAT.

Em setembro deste ano, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) enviou uma nota de preocupação ao ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, em cujo ministério estão se dando as discussões.

Instituído em 1976, o PAT é um programa que prevê dedução do Imposto de Renda sobre o lucro das empresas que oferecem vale-refeição aos empregados. Além disso, o valor dos vales não entra na base de cálculo dos encargos trabalhistas. O benefício tem destinação certa, e o trabalhador só pode usar o recurso na compra de alimentos em supermercados ou refeições para consumo imediato. Atualmente, 22 milhões de trabalhadores formais são beneficiados pelo programa.

O objetivo do PAT é melhorar a qualidade nutricional para o trabalhador, daí o uso exclusivo dos vales, que não podem ser convertidos em dinheiro ou bebidas alcoólicas.

Mudanças ameaçam Programa de Alimentação do Trabalhador
Mudanças ameaçam Programa de Alimentação do Trabalhador - Divulgação

Uma das mudanças previstas é a proibição do chamado rebate, prática adotada por operadoras de tíquete ou vale-alimentação que consiste em dar desconto para as empresas que adquirem grandes lotes. Por exemplo, se uma empresa compra o total de R$ 2 milhões em vales (pelo valor de face), pode pagar R$ 1,8 milhão, um desconto de 10%.

O problema é que o desconto não fica com as operadoras. O prejuízo recai sobre o vendedor final (bares, restaurantes e supermercados, por exemplo), que paga altas taxas na hora de converter os vales recebidos em dinheiro. Hoje, em média, de cada R$ 100 recebidos, os estabelecimentos ficam com R$ 93. Esse deságio tende a aumentar com políticas cada vez mais agressivas de rebate.

No caso de pequenos estabelecimentos próximos a regiões industriais, os vales representam até 90% do faturamento. "Ou o vendedor repassa o prejuízo para o preço da comida, o que está difícil, devido à queda da renda no país, ou arca com ele. O Brasil é o único país do mundo em que é permitido a uma empresa ganhar algo para dar um benefício ao trabalhador", diz Paulo Solmucci Jr., presidente da Abrasel.

O rebate chegou a ser proibido por portaria do Ministério do Trabalho, em 2017, mas a Justiça derrubou a proibição, que agora volta a ser discutida.

Solmucci afirma que as mudanças em discussão são muito positivas, mas que o rebate precisa ser proibido, seja por meio de decreto ou por outro instrumento legal. Diz também que a proibição precisa atingir tanto o vale-refeição como o auxílio-alimentação, que foi criado na minirreforma trabalhista de 2017.

Mudanças ameaçam Programa de Alimentação do Trabalhador
Mudanças ameaçam Programa de Alimentação do Trabalhador - Divulgação

A diferença entre os dois é que o auxílio-alimentação está fora do PAT e não sofre a mesma fiscalização porque também não oferece o incentivo fiscal para as empresas (redução no IRPJ).

"Se não houver a proibição do rebate no caso do auxílio-alimentação, as empresas vão migrar para esse sistema e abandonar o PAT. O desconto oferecido é muitas vezes maior que o ganho com a redução do IRPJ", afirma.

Outro problema é que, como está fora da fiscalização, o auxílio-alimentação acaba sendo usado com mais frequência para outros propósitos, até o pagamento de plataformas de streaming, compra de bebida alcoólica ou combustível, o que desvirtua completamente o propósito do programa, que é dar aos trabalhadores acesso a uma alimentação de qualidade nutricional.

Alguns defendem que a migração do PAT para o modelo do auxílio-alimentação seria benéfica para os cofres do governo, que não arcaria com o subsídio de R$ 1,2 bilhão ao ano. Mas estudos apontam que cada R$ 1 revertido para o PAT gera R$ 2,85 em impostos diretos e indiretos ao governo, uma vez que ele movimenta uma cadeia enorme, que vai do produtor rural, passa pela indústria alimentícia e pelo setor de logística, até chegar aos bares, restaurantes e supermercados.

A Abrasel acompanha as discussões sobre as mudanças no PAT desde janeiro, quando estavam no Ministério da Economia. Com a recriação do Ministério do Trabalho e da Previdência, a discussão ficou neste último.

O atual ministro, Onyx Lorenzoni, quando deputado federal, propôs, em 2017, um projeto de lei que incluía o auxílio-alimentação no PAT, com a proibição do rebate.

"Deixar o auxílio-alimentação de fora do PAT terá a força e a demonstração política de formalizar o início do fim do programa, o que, temos total certeza, não é o objetivo do Ministério do Trabalho e da Previdência", finaliza Solmucci.

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