Tecnologia ajuda pacientes e médicos no tratamento da saúde mental

Daiichi Sankyo Brasil firma parceria com aplicativo para pacientes e lança hub de conteúdo para médicos com o objetivo de diminuir preconceitos em torno da depressão e do transtorno bipolar, aumentar adesão ao tratamento e atualizar profissionais da área

Tecnologia ajuda pacientes e médicos no tratamento da saúde mental

Tecnologia ajuda pacientes e médicos no tratamento da saúde mental Unsplash

Se no século 15 os livros foram popularizados, fazendo com que o conhecimento deixasse de ser acessível apenas à classe sacerdotal1; as tecnologias digitais agora dão aos pacientes um controle sem precedentes sobre sua própria saúde.

Ultraconectados, eles se informam, querem saber, opinar, decidir junto. Se esse movimento já avançava rapidamente antes da pandemia do novo coronavírus, com a crise sanitária foi acelerado, especialmente na área da saúde mental.

Entre as ferramentas mais diversas, os aplicativos para celular se destacam, sobretudo aqueles com foco na psicoeducação2. Caracterizada pela propagação do conhecimento sobre os transtornos psiquiátricos para os pacientes (e pessoas próximas a ele), a técnica de terapia cognitiva comportamental tem se revelado fundamental no manejo dos distúrbios mentais ao estimular a conscientização do paciente acerca de sua condição e de suas possibilidades.

Confirmando a imprescindibilidade das novas ferramentas no manejo dos distúrbios mentais, a farmacêutica japonesa Daiichi Sankyo Brasil acaba de lançar uma parceria com o aplicativo Moodr3. Idealizado pelo psiquiatra Marcelo Victor e desenvolvido em parceria com o engenheiro Leonardo Tavares, o aplicativo destina-se a portadores de depressão e de transtorno bipolar, duas das afecções psiquiátricas mais frequentes. Cerca de 280 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão. Já o transtorno bipolar atinge 40 milhões. Quando não tratadas, além de comprometer seriamente a qualidade de vida dos pacientes, podem evoluir para quadros graves, com comprometimento cognitivo e risco de suicídio4,5.

O aplicativo foi pensado para acompanhar a jornada do paciente, sobretudo do início do tratamento à estabilização do quadro clínico, afirma Michelle Porto, diretora da Unidade de Negócios Primary Care da Daiichi Sankyo Brasil. O Moodr funciona como um diário. O usuário leva menos de dois minutos para preenchê-lo com informações sobre a evolução e intensidade de seus sintomas. Está tudo lá: os momentos de depressão, euforia, irritabilidade e ansiedade. A partir desses dados, o aplicativo forma o mapa do humor do paciente, o afetivograma.

São acompanhados ainda os indicadores de peso, qualidade do sono e libido. "O aplicativo permite ao paciente visualizar a si mesmo, aumentando a sensação de controle sobre suas vivências e sobre o tratamento. O Moodr ajuda o paciente a criar uma rotina e acaba funcionando como uma espécie de ‘’mapa mental’’ do seu tratamento. Isso, de certa forma, o coloca de frente às suas questões diárias", diz Michelle Porto.

O registro diário de tais parâmetros é definitivo para a manutenção do bem-estar do paciente. Caso esses padrões variem, é possível identificar a origem das oscilações. Se são, por exemplo, decorrentes da doença ou efeitos colaterais das medicações, permitindo ao médico fazer os ajustes necessários. O aplicativo também incentiva o paciente a anotar a hora em que ele tomou os medicamentos, em quais dosagens e seus efeitos colaterais, além de soar alertas nos horários de tomada das medicações. Mas, ressalta Michelle, o Moodr não faz diagnóstico tampouco orienta tratamento.

Durante a consulta, os dados sistematizados facilitam muito a vida do psiquiatra, afirma o médico Ives Cavalcante Passos, professor de psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "A pessoa consegue reportar bem o que ela está sentindo naquele dia e, no máximo, na semana anterior", explica o psiquiatra. "Quando ela traz o aplicativo, o médico não fica refém do viés de memória." Viés de memória é quando as recordações de acontecimentos passados são afetadas pela exposição a eventos presentes6.

Sistemas como o Moodr tornam o encontro entre paciente e especialista mais proficiente também pelo ganho de tempo, pois o mapa do humor possibilita uma avaliação mais objetiva e real do quadro clínico do doente, diz o especialista.

Além disso, o registro minucioso do dia a dia do portador é primordial na distinção da origem de eventuais pioras – se estavam associadas ao distúrbio e/ou ao tratamento ou se foram desencadeadas por eventos da vida, que também são normais. Assim, o manejo da medicação torna-se mais preciso e, consequentemente, mais efetivo e com menos reações adversas. Essa exatidão ajuda o paciente a se manter engajado no processo de recuperação. Em média, apenas 30% a 40% dos pacientes com depressão seguem à risca o tratamento preconizado pelos especialistas7,8.

Ao parar para preencher o diário, ainda que somente por dois minutos, o paciente volta o olhar para si próprio e seu transtorno. No controle de suas vivências, ganha autoconfiança. E a força desse sentimento é imensurável para que o paciente se livre dos preconceitos religiosos, morais e culturais e encare seu distúrbio pelo que de fato é –uma doença como qualquer outra, de causas fisiopatológicas, passível de controle. As informações contidas no Moodr são do paciente e apenas dele. O médico só as acessará com autorização prévia do paciente durante as consultas.

Com o propósito de atender às necessidades de médicos e pacientes por meio da transformação digital, em paralelo ao Moodr, a Daiichi Sankyo Brasil também colocou no ar recentemente o hub Consciência. Destinado exclusivamente aos médicos psiquiatras e ao universo que tange a especialidade, o hub de conteúdos está hospedado na Medpedia, a plataforma digital de educação e atualização médica da empresa farmacêutica.

Daiichi Sankyo Brasil também colocou no ar recentemente o hub Consciência
Daiichi Sankyo Brasil também colocou no ar recentemente o hub Consciência - Reprodução

O objetivo da companhia é aproveitar o alcance do universo online e o poder das ferramentas digitais para disseminar conhecimento sobre as doenças psiquiátricas e prover ferramentas que auxiliem o médico na prática. Entre os temas abordados, por exemplo, está a importância da psicoeducação2. O objetivo é manter os médicos em processo de atualização constante, de modo a oferecer o melhor tratamento possível para seus pacientes.

"As informações sobre transtornos mentais são muito amplas e pouco customizadas para cada paciente. Nossa intenção é facilitar a personalização desse tratamento com o fornecimento de conhecimento sobre técnicas terapêuticas, como a psicoeducação. O objetivo é tornar o hub o mais atualizado possível para fornecer atualização médica", explica Michelle Porto, diretora da Daiichi Sankyo Brasil.

O compartilhamento de informações de qualidade é especialmente bem-vindo no contexto dos problemas psiquiátricos. Por falta de informações e pelos tabus em torno dos transtornos psiquiátricos, os diagnósticos tendem a acontecer tardiamente - o que, em geral, leva ao agravamento do quadro clínico dos pacientes9. No transtorno bipolar, por exemplo, conta o psiquiatra Ives Passos, o distúrbio tende a ser detectado uma década depois de sua instalação. Na depressão, quatro anos e meio.

O isolamento social imposto pelo Covid-19 levou a digitalização para outras áreas dos cuidados em saúde mental. Fundada há 23 anos, a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata)10 migrou as reuniões dos grupos de apoio para o mundo virtual. E, no online, os encontros cresceram muito –tanto que não voltarão para o presencial.

"Passamos a receber gente de todo o Brasil e do exterior", comemora Neila Campos, vice-presidente da entidade. O uso mais intenso das ferramentas digitais, segundo ela, levou a instituição a repensar alguns de seus processos.

Uma das iniciativas da Abrata, o Encontro com Especialista, onde profissionais de saúde são convidados a dar palestras sobre os mais diversos temas, antes, contava com a participação de especialistas apenas de São Paulo; no máximo, da Grande São Paulo. "Agora, estamos pensando em chamar, por exemplo, médicos de outros estados", conta Neila. É o "momento Gutenberg" da saúde mental.

Referências:

  1. Mollier JY. The history of the book and the edition: a privileged observatory of mankind's mental world in the XVIIIth to the XXth centuries. Varia hist. 2009;25(42):521-537

  2. Palomo J and Mosqueira F. Psychoeducation and cognitive-behavioral therapy in bipolar disorder: an update. Acta Psychiatr Scand 2004: 109: 83–90

  3. MOODR. O aplicativo que acompanha você e seu profissional de saúde durante o tratamento da depressão e do transtorno bipolar. https://moodrapp.com/

  4. Depressão . OPAS. Organização Pan-Americana da Saúde. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/transtornos-mentais. Acessado em 20/09/2022

  5. Mental disorders. World Health Organization. Disponivel em: https://www.who.int/ news-room/fact-sheets/detail/mental-disorders. Acessado em 20/09/2022

  6. Todd M. Everson, Carmen J. Marsit, Chapter 4 - Epidemiological concepts in environmental epigenetics, In Translational Epigenetics, Environmental Epigenetics in Toxicology and Public Health. Academic Press, 2020;22:89-105.

  7. Dixon LB, et l. Treatment engagement of individuals experiencing mental illness: review and update. World Psychiatry. 2016 Feb; 15(1):13–20.

  8. Solmi M, et al. How can we improve antidepressant adherence in the management of depression? A targeted review and 10 clinical recommendations. Braz. J. Psychiatr. 2021;43(2):189-202

  9. Transtornos mentais. OPAS. Organização Pan-Americana da Saude. Disponiível em: https://www.paho.org/pt/topicos/transtornos-mentais. Acessado em 20/09/2022

  10. ABRATA. Associação Brasileira de familiares, amigos e portadores de transtornos afetivos. www.abrata.org.br