Quase trinta anos depois, uma série da HBO Max vai contar com detalhes a história do assassinato da atriz e bailarina Daniella Perez, uma estrela em ascensão que foi morta a facadas pelo ator Guilherme de Pádua e a então mulher, Paula Thomaz. O crime ganhou ampla cobertura de jornais, revistas e na TV, repercutiu até fora do Brasil e foi o principal assunto no verão de 1993, superando as notícias sobre Fernando Collor, que renunciou à presidência para tentar fugir do processo de impeachment.
Quando foi assassinada, em 28 de dezembro de 1992, Daniella Perez tinha 22 anos e estava no ar como Yasmin, personagem na novela global "De Corpo e Alma", escrita por sua mãe, Gloria Perez. Pádua interpretava Bira, um dos pretendentes de Yasmin.
A série documental "Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez" narra essa história e dá voz ao marido, o ator Raul Gazolla, e à mãe, que cedeu seu arquivo com material inédito, fotos e vídeos da jovem, além de documentos ligados à investigação e ao processo, que
jogam nova luz ao caso.
Com cinco episódios de cerca de uma hora cada, a série estreia com exclusividade na plataforma de streaming para toda a América Latina em 21 de julho.
Para a realização da série documental, foram mais de 18 horas de entrevista com Gloria, divididas em três dias. "Demos voz a quem não foi ouvido, principalmente a família, e também as pessoas que ajudaram a desvendar esse crime, que foram importantíssimas naquela época", afirma Tatiana Issa, que assina a produção executiva e a direção da série ao lado de Guto Barra.
A diretora tem uma ligação pessoal com a história porque, na época, trabalhava com Gazolla e estava com ele na noite do crime. "Ao longo desses 30 anos, nem o Raul nem a Gloria foram ouvidos de verdade. Eles participavam de programas de TV, davam entrevistas, mas tudo muito rápido, sempre respondendo perguntas sobre coisas específicas. Ela não pode depor durante o julgamento", lembra a diretora.
A descoberta da autoria do crime foi rápida: poucas horas após a descoberta do corpo, Guilherme de Pádua já havia se tornado o principal suspeito e confessado o crime menos de 24 horas depois de cometê-lo. Gloria Perez conta no documentário que foi informada imediatamente do possível envolvimento do então ator e, a pedido da polícia, manteve a informação em sigilo no velório da filha. Paula, grávida de quatro meses, admitiria a
participação em um depoimento informal logo depois.
O documentário traz ainda o relato da testemunha chave do caso e novas informações sobre as dúvidas que se seguiram mesmo nos dias seguintes ao assassinato: as motivações, a participação de Paula e o que haveria acontecido com US$ 6 mil que Daniella carregava na bolsa na noite em que morreu - o dinheiro foi emprestado por Gloria e seria usado para comprar um carro.
Vários atores e atrizes lembram, no documentário, de como a opinião pública reagiu quando o assassino confesso teve a sua prisão relaxada. Quando Pádua voltou a ser preso, Maurício Mattar e Alexandre Frota, amigos próximos ao viúvo, precisaram acalmar os ânimos de quem foi até a porta da delegacia pedir justiça.
Em imagens da época e em novos depoimentos, os colegas de elenco contam que Pádua, na época com 23 anos, assediava a atriz, no intuito de que ela intercedesse junto à mãe para ganhar mais espaço na trama. Gloria Perez acredita que as punhaladas que mataram sua filha eram, na verdade, direcionadas a ela. Já Paula, que tinha 19 anos, teria ciúmes da relação entre o marido e a parceira de cena.
Desde o início do caso, o fato de os dois, vítima e assassino, terem sido par romântico na novela foi amplamente explorado. A última cena que eles gravaram, no dia da morte de Daniella, foi justamente a de Yasmin rompendo com Bira.
"Essa história ficou na cabeça das pessoas como um folhetim barato", afirma Gloria Perez na primeira cena da série. Ao folhear revistas antigas, que falam do crime e usam imagens de divulgação da novela, com a filha e o assassino abraçados, a autora diz que elas causam mais dor do que as fotos de Daniella sem vida no matagal. "Isso aqui é continuar matando a pessoa", diz Gloria apontando para uma das capas das revistas.
"Só existiu um beijo entre os dois personagens e isso foi fotografado para ser usado como divulgação da novela. Essa foi a foto mais publicada depois do crime. A imprensa usava o nome dos personagens. Isso foi construindo uma narrativa", explica o diretor Guto Barra. Marieta Severo, amiga de Gloria, lembra no documentário que o machismo impregnado na sociedade se refletia na investigação e na opinião pública. "O Brasil é um país muito preconceituoso, muito machista, cada vez que se fala disso a gente coloca mais uma pedrinha nessa construção que é machista, louca, de culpabilizar a vítima".
Foram justamente críticas à condução da investigação que levaram a Comissão da Mulher, da Assembleia Legislativa do Rio, a criar um grupo de trabalho para acompanhar o caso. "De cara, a gente viu que muita informação ficava vaga ou imprecisa, ou o delegado achava desnecessário entrar em detalhes", relembra Aparecida Boaventura, na época deputada estadual que presidia a comissão, em depoimento ao documentário.
Nos anos seguintes ao crime, Gloria e outras mães, que também perderam os filhos assassinados de forma violenta e por motivo banal, iniciaram um movimento para transformar o homicídio qualificado em crime hediondo, sujeito a penas mais duras. O movimento conseguiu 1,3 milhão de assinaturas e, depois de aprovado no Senado, foi sancionado pelo presidente Itamar Franco.