Alteração em patentes pode prejudicar acesso a novos medicamentos no país

Uma ação que discute a constitucionalidade de um dispositivo da Lei de Patentes pode afetar mais de 35 mil patentes e causar impacto econômico em vários setores

Está previsto para o próximo dia 7 o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de uma ação que pode mudar as regras de concessão de patentes no país e causar impacto econômico em vários setores. Trata-se de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida desde 2016, que questiona a forma como se dá atualmente o prazo de vigência das patentes no país.

A Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) estabelece que esse prazo é de 20 anos para invenção de produtos e de 15 anos para atualização dos já existentes, contados a partir da data do pedido de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Como não há regras que estabeleçam um prazo máximo entre o depósito e a concessão da patente, um dispositivo dessa lei estabelece um período mínimo de 10 anos, a partir da data da concessão, para que o detentor de uma patente tenha o direito de explorar ao seu uso exclusivo o invento. Assim, se um medicamento, por exemplo, levar 13 anos para ter a patente analisada, seu produtor terá a patente vigente entre o 13º e o 23º ano do depósito do pedido no INPI.

Enquanto na maioria dos países o prazo entre o depósito de uma patente e a sua concessão leva de quatro a seis anos, no INPI a análise pode demorar mais de 10 anos. Em 2018, o tempo médio para a concessão de patentes a fármacos era de 13 anos. A consequência direta disso é que em outros países uma patente fica em vigor por 14-16 anos e no Brasil ela tem prazo mínimo de 10 anos.

O que será julgado é a constitucionalidade desse dispositivo, o parágrafo único do artigo 40 da LPI. Em vigor há 25 anos, ele foi criado para proteger o inventor da morosidade do INPI para analisar processos de concessão de patentes no país.

A eliminação desse dispositivo afetaria de imediato cerca de 35 mil patentes em diversos setores, como telecomunicações, eletroeletrônicos, agricultura e biotecnologia. Na indústria farmacêutica, derrubaria cerca de 4.000 patentes. Estudos mostram que aproximadamente 45% das patentes perderiam a vigência no país, afetando, além das empresas, laboratórios e universidades públicas, como USP e Unicamp.

A ação de inconstitucionalidade está sendo discutida há cinco anos. Em março, a Procuradoria Geral da União pediu tutela de urgência para a decisão do STF. O argumento para apressar a ação foca as patentes do setor farmacêutico. A PGR alega que a derrubada das patentes seria importante para o combate à Covid-19, para garantir mais medicamentos por meio do SUS.

Pareceres técnicos apontam que o argumento é improcedente porque não existem, até agora, medicamentos registrados e muito menos patenteados para o tratamento ou a cura da Covid. No pedido há ainda menção a remédios cujas patentes não estão mais em vigência e outros que ainda não têm registro da Anvisa, portanto impedidos de serem comercializados no país.

“Essa ação não ajudaria um paciente sequer de Covid-19. Há um conflito entre o argumento e o fato. Na nossa interpretação, trata-se de um fato exclusivamente concorrencial e oportunista, para derrubar patentes de laboratórios, sem nenhuma relação com a Covid-19”, afirma Elizabeth de Carvalhaes, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), entidade que reúne 50 empresas farmacêuticas multinacionais que desenvolvem medicamentos avançados.

Segundo Elizabeth, o parágrafo em questão é fundamental para compensar os atrasos do INPI na concessão de patentes e, assim, proteger inventores de todos os setores.

“Invalidar patentes pode abrir as portas do mercado brasileiro de forma desregulada para a indústria da cópia, com efeito econômico devastador, não para o setor farmacêutico, exclusivamente”, diz Elizabeth. “Isso poderá gerar um corte nos investimentos em tecnologia e inovação no Brasil, porque não teremos incentivos para que empresas estrangeiras tragam seus produtos, por falta de segurança jurídica. E ressalto que, sem produtos novos, não há genéricos”, diz. Logo, afirma, o setor farmacêutico, que investe consistentemente em pesquisa e desenvolvimento de novas soluções terapêuticas (números apontam para US$ 204 bilhões em 2024), não terá incentivos para trazer tais soluções para o consumidor brasileiro por medo de ser copiado localmente.

“Além de não ter impacto direto na atenção aos pacientes de Covid-19, essa iniciativa é contrária ao movimento do próprio governo de melhorar as políticas de inovação e anseios do país de ascender à OCDE”, reforça Elizabeth.

IMPACTO EM TELECOM

Para o setor representado pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), a derrubada do dispositivo que protege as patentes causaria grande impacto. Levantamento da entidade mostra que 88% das patentes concedidas para a área de telecom têm como base o parágrafo único do artigo 40. Na área de eletrônica são 60%, e no setor elétrico, 43,28%.

“As empresas de telecom seriam as mais prejudicadas, porque perderiam muitas patentes”, afirma Humberto Barbato, presidente da Abinee. “Isso acontece no momento em que essas empresas se preparam para a implantação do 5G no país, com investimentos diretos na infraestrutura de rede de R$ 14 bilhões nos próximos dois anos, mas que podem chegar a R$ 130 bilhões. Tudo o que o Brasil não precisa neste momento é de perder investimentos”, afirma Barbato.

Segundo o presidente da Abinee, com a redução do tempo do INPI para a concessão de patentes, como já vem acontecendo, o dispositivo vai perder sua função. “Não há por que discutir a constitucionalidade desse parágrafo agora, já que é uma situação que está mudando. Mas hoje esse dispositivo representa uma segurança para as empresas do que ficou para trás, das patentes já concedidas”, diz Barbato.

PESQUISA NO AGRONEGÓCIO

No agronegócio, segundo a consultoria Blink, cerca de 2.000 patentes se enquadram na regra estabelecida pelo parágrafo único do artigo 40 da LPI. Desse total, 1.150 se referem a defensivos agrícolas e 280 a biotecnologia.

Como em outros setores, o desenvolvimento de uma tecnologia agrícola demanda anos de pesquisa. O tempo médio para a descoberta e a comercialização de um defensivo agrícola, por exemplo, varia de 17 a 20 anos e consome investimentos de US$ 286 milhões.

“Para assegurar um período de exclusividade sobre o novo produto, possibilitando a recuperação dos altos investimentos feitos com P&D, a alternativa é a obtenção de uma patente. Em geral, empresas de insumos investem cerca de 10% do faturamento em inovação, e a perda de proteção que garante um prazo mínimo de duração das patentes pode reduzir esse investimento em inovação”, afirma Christian Lohbauer, presidente executivo da CropLife Brasil, associação que reúne especialistas, instituições e empresas que atuam na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para a produção agrícola sustentável.

Segundo Lohbauer, países que são ágeis no exame e na concessão de patentes, como EUA e Coreia do Sul, têm mecanismos legais de compensação em caso de atraso de seus escritórios de patentes. “Por que o Brasil faria diferente?”, questiona.

No entender da Interfarma, uma eventual discussão para alterar a Lei de Patentes deve ser conduzida pelo Congresso Nacional, para que haja participação dos setores públicos e privados na discussão e a segurança dos direitos adquiridos, sem colocar em risco a inovação, os investimentos e o desenvolvimento de novas tecnologias no país.

ENTENDA A QUESTÃO

Quando: Dia 7 de abril, o STF julga a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279/96

O quê: O parágrafo garante ao inventor um prazo mínimo de 10 anos para a patente, contados da data da concessão

Por quê: Para proteger os inventores da possível morosidade na análise dos pedidos de patentes e trazer segurança jurídica quanto à exploração das invenções

Efeito: derrubaria cerca de 35 mil patentes em diversos setores, como telecomunicações, eletroeletrônicos, agricultura e biotecnologia, e afugentaria investimentos em inovação no país

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