Leis que visam acelerar diagnóstico e tratamento de câncer são descumpridas

14º Fórum Nacional Oncoguia discute desafios e prioridades dos pacientes com câncer; medicamentos aprovados atrasam até 9 anos para chegar ao SUS

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Sandro Martins, oncologista, Tiago Farina Matos, conselheiro do Oncoguia, Rafael Kaliks, oncologista, Bruno Santos, coordenador do Fórum Interinstitucional da Saúde do TRF/4ª Região, Fernando Korkes, uro-oncologista, Fernando Moura, oncologista, Helena Esteves, gerente de Advocacy do Oncoguia, e Luciana Holtz Masao Goto Filho/Estúdio Folha

No Brasil, dois a cada cinco pacientes demoram mais de 60 dias para iniciar o tratamento do câncer no Sistema Único de Saúde (SUS), embora a lei 12.732 determine que esse é o prazo máximo a ser contado a partir do diagnóstico. A lei 13.890, que prevê 30 dias para a realização de exames relacionados ao diagnóstico de câncer, também é em grande parte descumprida.

"Com esses atrasos, pacientes morrem antes de passar pelo oncologista. Terapias e medicamentos aprovados e incorporados não chegam ao paciente. Há muita desigualdade dentro do próprio SUS. Nesse contexto, a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, recém-aprovada, deve demorar para sair do papel e virar realidade. Enquanto isso não acontece, o paciente segue sozinho, esquecido, esperando. E o câncer, avançando", afirma Luciana Holtz, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, ONG de apoio, informação e defesa dos direitos dos pacientes e familiares com câncer.

Os desafios e prioridades do paciente com câncer e os caminhos a serem percorridos estiveram no centro das discussões do 14º Fórum Nacional Oncoguia, que reuniu especialistas do Brasil e do exterior, pacientes e representantes da sociedade na semana passada, no Teatro Tucarena, em São Paulo. O evento foi transmitido online e está disponível no YouTube do Oncoguia.

O câncer é a segunda doença que mais mata no Brasil e no mundo e, com o envelhecimento da população, as estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde) é que assuma o primeiro lugar nos próximos anos. No Brasil, o Inca (Instituto Nacional de Câncer) estima 704.100 novos casos para cada ano do triênio 2023-2025, com 225.800 mortes. Dados do Globocan (Global Cancer Observatory, ligado à OMS) estimam que 1,6 milhão de pessoas vivam com câncer no país.

"São números astronômicos que exigem priorização pelas políticas públicas e atitudes urgentes dos gestores", afirma Tiago Farina Matos, conselheiro estratégico de Advocacy do Oncoguia.

DESIGUALDADE NO SUS

Durante o fórum foi apresentada a segunda edição da pesquisa Meu SUS é Diferente do Seu SUS. Em 2017, estudo com publicação científica inédita e pioneira do Oncoguia buscou identificar padrões e diferenças no tratamento ofertado pelos hospitais oncológicos do SUS para pacientes em todo o país.

"Na primeira pesquisa percebemos uma grande disparidade na oferta do cuidado às pessoas com câncer. Ficou evidente a necessidade de padronização no cuidado oncológico e a garantia de condições para que os hospitais ofertem as opções terapêuticas incorporadas pelo Ministério da Saúde", diz Helena Esteves, gerente de Advocacy do Oncoguia.

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LUCIANA HOLTZ - Masao Goto Filho/Estúdio Folha

O câncer não escolhe raça, idade, gênero, classe social. Para lidar com tamanho desafio, precisamos de mais atenção e priorização. O câncer é um problema de todos nós!

LUCIANA HOLTZ

FUNDADORA E PRESIDENTE DO ONCOGUIA

Na pesquisa apresentada neste ano, o foco foi o câncer do pulmão, que apresenta um dos mais altos índices de mortalidade. "No Brasil, 9 em cada 10 pacientes descobrem a doença em estágios avançados. No SUS, 25% iniciam o tratamento mais de 60 dias após o diagnóstico", diz Helena.

O estudo concluiu que metade dos hospitais não consegue oferecer os medicamentos incorporados pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). "Nenhum hospital tem medicamentos incorporados há dois anos: medicamentos aprovados atrasam até 9 anos para chegar ao SUS. Só um hospital oferece imunoterapia. Esse tratamento completa 10 anos em 2025 e não está disponível no SUS, que oferece uma quimioterapia de 30 anos atrás. Houve muitas inovações nas últimas décadas, e os pacientes não têm acesso", afirma Fernando Moura, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Segundo o oncologista, as diretrizes do Ministério da Saúde para tratamento de câncer do pulmão estão 10 anos defasadas. "Precisamos de testes moleculares, que mostram a assinatura do tumor e direcionam os tratamentos mais eficazes. Há um gap enorme entre o ideal e o que é oferecido aos pacientes", completa.

"O resultado dessa disparidade é que quem é atendido pelo SUS vive quase 4 anos a menos do que quem é atendido na saúde suplementar", afirma Tiago Matos.

Brasil tem nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer

Em dezembro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Federal 14.758/23, que institui a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer. O objetivo é diminuir a incidência dos diversos tipos de câncer, garantir o acesso ao cuidado integral, contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e reduzir a mortalidade e a incapacidade causadas pelo câncer.

"A nova lei reconhece a importância da oncologia e amplia o olhar sobre o câncer ao incluir, por exemplo, o acesso ao cuidado integral, que abrange prevenção, rastreamento, detecção precoce, diagnóstico tratamento, reabilitação, cuidados paliativos e apoio psicológico ao paciente", afirmou Aline Lopes, da Coordenação-Geral da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (CGCAN), do Ministério da Saúde, que participou do 14º Fórum Nacional Oncoguia. "A lei também traz aspectos inovadores, como o Programa Nacional de Navegação da Pessoa com Diagnóstico de Câncer, que prevê o acompanhamento de toda a jornada do paciente."

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Adriano Massuda, secretário de Atenção Especializada do Ministério da Saúde - Reprodução

O fórum contou com a participação virtual de Adriano Massuda, secretário de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, que reconheceu os desafios enfrentados pelos pacientes com câncer. "A população não pode ficar esperando anos numa fila para fazer um exame, um procedimento. Enfrentar um problema complexo como esse, que tem a ver com a estrutura do sistema de saúde, exige não apenas mais recursos mas aprimorar a governança na área de oncologia", afirma.

Segundo Massuda, o programa Mais Acesso a Especialistas, recém-lançado, vai contribuir para reduzir a espera por exames e tratamentos no SUS. "Vamos fazer uma mudança revolucionária: em vez de pagar por procedimento, que é o que acontece hoje, vamos financiar o cuidado integral. Mas não se muda o sistema do dia para a noite: é um processo. Começaremos pelo diagnóstico, que é central para o câncer. A ideia é fazer o diagnóstico precoce e financiar uma lógica na qual consultas e exames sejam remunerados de maneira integrada."

*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha