Cerca de 20 mil pessoas morrem todos os anos, no Brasil, em decorrência do câncer colorretal – é o segundo tipo de tumor mais frequente em homens e mulheres no paÃs e o terceiro mais letal, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Os números assustam, mas, graças à s pesquisas e ao avanço da medicina, já há tratamentos inovadores e exames que conseguem detectar e até mesmo prevenir a doença.
O câncer colorretal (intestino grosso e reto) é um dos poucos tipos de câncer que conta com uma forma real de prevenção por meio da realização de um exame, a colonoscopia, afirma Dr. Rodrigo Perez, cirurgião do Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. O centro é referência no Brasil para tratamento de doenças do aparelho digestivo.
Perez explica que a mamografia e os exames de PSA e toque retal para o câncer de próstata, por exemplo, são fundamentais para o diagnóstico precoce de um câncer que já existe. Eles, porém, não são preventivos. "No caso do câncer colorretal, durante a colonoscopia (exame endoscópico do intestino grosso e do reto), o médico tem a oportunidade de retirar um pólipo, que é uma lesão benigna, em uma fase anterior a virar um câncer. Tirando a lesão, acaba o risco de câncer colorretal."
Novos estudos apontam que a doença, que antes atingia quase que exclusivamente pessoas a partir dos 50 anos, agora se manifesta em homens e mulheres mais jovens. Publicação recente do "New England Journal of Medicine", referência na área, mostrou que o número de pessoas abaixo dos 50 anos com a doença aumentou de maneira significativa nas últimas décadas.
"A constatação é tão importante que mudou a recomendação sobre o momento de iniciar o exame preventivo. Até então, a indicação era fazer a primeira colonoscopia com 50 anos como uma busca ativa de câncer para pessoas sem sintomas e em bom estado de saúde. Isso mudou e creio que, em pouco tempo, deve ser antecipado para a partir dos 40 anos."
Por desconhecimento, a colonoscopia ainda é um procedimento muito estigmatizado. O exame exige um preparo nas 48 horas anteriores, para a limpeza total do intestino, possibilitando a visão de todo o interior do órgão do paciente. O procedimento deve ser realizado em um hospital ou clÃnica por uma equipe especializada.
Mas o processo todo é indolor e, em geral, dura apenas de 20 a 40 minutos. E é fundamental para evitar uma doença que, a depender do estágio em que é diagnosticada, pode levar a cirurgias de alta complexidade.
Um estudo publicado recentemente na revista cientÃfica "New England Journal of Medicine" questionou a importância da colonoscopia na prevenção do câncer colorretal. Esse estudo foi realizado na Polônia, Suécia e Noruega com 85 mil pessoas.
Uma parte do grupo foi convidada a realizar o exame de colonoscopia e outra, não. Curiosamente, somente metade dos pacientes convidados fez, de fato, o exame. Mesmo assim, os resultados da pesquisa apontaram uma queda de 20% na incidência de casos da doença entre os indivÃduos convidados para o exame de colonoscopia.
O que chamou a atenção dos especialistas foi a ausência de diferença na mortalidade por câncer colorretal entre os dois grupos.
Em seu editorial, a publicação reconheceu a existência de uma lacuna nas evidências sobre o impacto do exame. Os próprios autores da pesquisa se comprometeram a realizar novos estudos antes de uma conclusão final.
PESQUISA E PIONEIRISMO
Com 125 anos de tradição, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz tem ampliado os investimentos em pesquisa e é pioneiro no tratamento da doença. Com uma equipe multidisciplinar e equipamentos de última geração, seu Centro Especializado em Aparelho Digestivo possibilita desde a realização de exames de prevenção até tratamentos para os casos em que a doença se encontra em estágio mais avançado.
Foram esses investimentos em pesquisa que possibilitaram mudar o protocolo inicial de tratamento da doença. Num passado nem tão distante, uma das poucas alternativas para quem recebia o diagnóstico de câncer no reto era a cirurgia, que incluÃa a realização de uma colostomia (temporária ou definitiva), procedimento que consiste na retirada do ânus e ligação de parte do intestino a uma bolsa externa para o armazenamento das fezes do paciente. Um tratamento difÃcil e, não raro, que afeta muito a autoestima e a saúde mental do paciente.
Mas a colostomia não é mais a única alternativa. Isso porque a médica e pesquisadora Dra. Angelita Gama, considerada uma das cientistas mais influentes do mundo, desenvolveu a técnica Watch&Wait (observar e esperar), que possibilita tratar a doença sem a necessidade de retirar o órgão do paciente.
"O procedimento clássico de tratamento do câncer de reto inclui fazer radioterapia ou quimioterapia seguido de cirurgia. No inÃcio dos anos 1990, a Dra. Angelita percebeu que alguns tumores desapareciam com radioterapia e quimioterapia, eliminando a necessidade de cirurgia. Ela quebrou um paradigma", diz Perez.
A pesquisadora, que integra o corpo clÃnico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, conseguiu provar que o monitoramento da doença, por meio de uma rotina de consultas e exames, pode dispensar a cirurgia.
"A técnica Watch&Wait foi ganhando força nas últimas décadas até que, neste ano, finalmente foi publicado um trabalho que confirma as conclusões da Dra. Angelita", afirma Perez. No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, por exemplo, cerca de 50% dos pacientes diagnosticados com câncer do reto não necessitam realizar a cirurgia.
Perez lembra ainda que há vários tratamentos para o câncer colorretal, a depender do estágio e da complexidade da doença. No caso de metástase, entram em cena as terapias sistêmicas — como a quimioterapia —, em que medicamentos são administrados por via oral ou diretamente na corrente sanguÃnea, buscando atingir células cancerÃgenas em qualquer lugar do corpo.
O Centro Especializado em Aparelho Digestivo desenvolve, em conjunto com o Centro Internacional de Pesquisa do hospital, o estudo clÃnico CCHOWW - Quimiorradioterapia e quimioterapia de consolidação com ou sem oxaliplatina para câncer de reto distal e Watch&Wait. A pesquisa irá comparar esquemas diferentes de quimioterapia, feitos depois da radioterapia, para a eliminação do tumor.
"Hoje, existem centros que fazem radioterapia seguido de quimioterapia com apenas uma droga e outros que, depois da radioterapia, usam duas drogas na quimioterapia", explica Perez, que conduz o estudo.
O objetivo da pesquisa, pioneira na América Latina com foco nesse tipo de câncer, é entender se, de fato, são necessárias duas drogas de quimio para obter 50% de resposta completa ao tratamento. "Isso pode ter um impacto enorme, não apenas no custo para o sistema de saúde, mas também para reduzir a toxicidade para o paciente", diz Perez.
O estudo está em fase inicial, recrutando institutos do Brasil e exterior com a meta de chegar a 200 pacientes. "Temos que criar no paÃs essa cultura de desenvolver estudos cientÃficos, pois isso gera conhecimento. Queremos a participação do maior número de centros para transferirmos conhecimento a essas instituições", afirma