A jornalista Ana Clara Moniz, cadeirante por conta de uma atrofia muscular espinhal (AME), nunca conseguiu realizar um exame oftalmológico por falta de acessibilidade. "Já fui em vários oftalmologistas e em nenhum havia um aparelho que descesse à altura da minha cadeira. E esse exame é essencial para mim, por conta do risco de descolamento da retina", diz Moniz.
O relato foi feito durante uma roda de diálogo, evento que reúne pessoas dos grupos minorizados, representantes da sociedade e do setor de saúde para debater formas de reduzir a lacuna de confiança no ecossistema de saúde.
O encontro, parte da iniciativa Um Milhão de Diálogos, da Sanofi, tem a proposta de oferecer uma oportunidade de escuta e aprendizado sobre as experiências negativas na área da saúde enfrentadas por mulheres negras, com deficiência e LGBTQIAP+.
A ideia é que essa troca de conhecimento transforme os espaços de atendimento e os próprios profissionais de saúde.
É o que espera Moniz que, muitas vezes, diz não ser ouvida pelos médicos que a atendem. "Não existe escuta e empatia. Muitas vezes o o médico fala com o acompanhante como se a gente não estivesse presente e não fosse capaz de responder. Não enxergam a pessoa, só vêem a deficiência", diz.
Não se sentir ouvido foi um dos fatores que contribuíram para a perda de confiança no ecossistema de saúde, segundo a pesquisa Lacuna de Confiança, da Sanofi. Os entrevistados também citaram profissionais que não explicaram bem as coisas (44%), serviço de má qualidade (42%) e sensação de insegurança (35%).
"Os números não só confirmam o que a gente já imaginava, como trazem perspectivas que nos mostram caminhos para solucionar a questão", afirma a biomédica e pesquisadora Jaqueline Goes, que faz parte do time de influenciadores da iniciativa Um Milhão de Diálogos.
Doutora em patologia humana e integrante da equipe responsável pelo sequenciamento do genoma do coronavírus em apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil, ela diz que os colegas de profissão ainda se espantam ao se deparar com uma médica negra.
"Eu nunca sou lida como uma pessoa intelectual. Quando chego nos serviços de saúde, recebo explicações extremamente rasas. Então, falo qualquer coisa técnica sobre o assunto e percebo o espanto do provedor de saúde. Porque ele não espera, pela leitura que ele fez apenas da sua aparência, que você tenha conhecimento ou seja uma pessoa intelectualizada ao ponto de compreender aquilo que está sendo falado", diz Goes.
O preconceito racial faz com que as pessoas negras, sobretudo as mulheres, se afastem do sistema de saúde. "Já tive muitas questões que me distanciaram do meu cuidado e, principalmente, por não me sentir acolhida no ambiente de saúde. Tenho tias que faleceram por ausência de cuidado", lembra a psicóloga Sarah Aline, especialista em diversidade e inclusão.
Segundo a pesquisa, as pessoas negras têm maior probabilidade do que as minorias não-étnicas de se sentirem indesejadas, julgadas, tratadas de forma diferente e discriminadas. "Muitas pessoas pretas acabam não se tratando e deixando de ir a hospitais por conta do preconceito que enfrentam", afirma Carolina Cohen, cofundadora e especialista em comunicação de causas da Colabore com o Futuro, que atua para combater a desigualdade na saúde por meio da mobilização da sociedade para moldar políticas de saúde.
"Temos mais contato com a população preta e escutamos histórias muito tristes. Que durante a gravidez, os ginecologistas não encostam no corpo das mulheres por conta da cor. Que na hora do parto as mulheres não recebem anestesia porque existe uma crença dos médicos de que as pessoas pretas são mais fortes e sentem menos dor. Não é à toa que elas perdem a confiança no sistema de saúde", diz.
Além do preconceito racial, a pesquisa registra o preconceito em relação à orientação sexual. "Há uma culpabilização do sexo na nossa sociedade, e a área da saúde reflete isso. Quando alguém é diagnosticado, por exemplo, com diabetes ou hipertensão, falam: 'Nossa, tadinho, vamos cuidar, toma insulina, toma o remédio’. Aí é sífilis, HIV ou uma mulher com HPV e ouve: 'Ah, está vendo, foi namorar demais. Quem mandou transar tanto?’", afirma o médico infectologista Vinícius Borges, idealizador do canal Doutor Maravilha e membro da comunidade LGBTQIAP+.
É preciso preparar os médicos a lidar com a diversidade e a inclusão. Ivan Baron, que tem paralisia cerebral e faz parte do grupo LGBTQIAP+, diz que os médicos precisam, por exemplo, atualizar seu vocabulário. "É errado chamar a gente de ‘especial’; é errado sempre associar deficiência à doença", diz.
Para 87% dos brasileiros entrevistados na pesquisa, os médicos precisam tratar os pacientes "de forma justa". Para isso, diz Vinicius Borges, é preciso dar voz e visibilidade aos grupos minorizados. "Uma coisa importante: nada sobre nós sem nós. É o que estamos fazendo aqui. Quando participamos da produção da ciência, das pesquisas e dos serviços, tudo isso se torna mais inclusivo e acolhedor. É muito importante que a gente mostre que pode estar dos dois lados: de quem cuida e é cuidado."
*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha.