Quem esteve em Paraty na 22ª edição da Flip certamente deparou com algum poeta que percorria as ruas do centro histórico apresentando seu trabalho. A poesia é, certamente, uma das mais populares e antigas formas de arte, mas ainda hoje luta por seu espaço no mercado literário. Espaço que ganhou um novo contorno a partir da 21ª edição do Prêmio Sesc de Literatura.
Já reconhecida como uma das principais premiações para autores estreantes nas categorias romance e conto, a iniciativa passou a aceitar obras em poesia. O resultado foi um salto nas inscrições, que quase duplicou. Das 2.731 obras recebidas, 1.427 foram livros de poesia, número maior que as inscrições de conto e romance juntos.
"A inclusão da categoria Poesia no Prêmio Sesc de Literatura era um anseio antigo dos escritores. Trata-se de uma forma de expressão muito difundida em nosso país, considerada um de nossos patrimônios culturais, e que traz como referências nomes como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mario Quintana, Cecília Meireles, Cora Coralina, entre tantos outros. Então, depois de 20 anos revelando talentos nas categorias Conto e Romance, abrimos espaço para os poetas, como forma de fortalecer ainda mais o cenário literário brasileiro", afirma Janaína Cunha, diretora de Programas Sociais do Departamento Nacional do Sesc.
"Contra a Parede" foi o primeiro título vencedor na categoria Poesia. Escrito pelo servidor público Antonio Veloso Maia, de 73 anos, o livro explora temas de introspecção, desconforto existencial e a relação entre forma e conteúdo na linguagem poética. Nos poemas, o leitor se depara com algumas palavras e termos em desacordo com pontos do acordo ortográfico, mas, segundo Veloso, "abençoados por Rosas e concretistas, Machados e modernistas, Chicos e Caetanos, repentistas e cantadores". Característica que chamou a atenção da poeta Ana Martins Marques, jurada do prêmio na categoria Poesia. "O livro articula as muitas referências literárias com um trabalho de linguagem próximo da montagem, explorando a sonoridade das palavras, o corte do verso e o espaço da página para tratar da memória."
Os poemas de Veloso apresentam uma forte intertextualidade, dialogando com outras formas de arte, como o cinema e a música, e abrindo espaço para a reflexão sobre os limites e possibilidades da expressão poética. Um reflexo do autor, que se descreve como "um leitor, um cinéfilo, avô de Julia e Junior".
Nascido em São Fidélis, no Norte fluminense, Veloso já havia participado de concursos de poesia e conheceu o Prêmio Sesc de Literatura ainda nos primeiros anos do projeto. Sua biblioteca conta com o premiado "A Secretária de Borges", de Lucia Bettencourt, obra vencedora em 2005. Mas essa foi a primeira vez que participou do concurso. "Tinha visto o resultado, com mais de 1.400 inscritos e pensei: caramba, é muita coisa. Estar entre os 20 finalistas já era um retorno legal", pensou, antes de saber que iria mais além, se tornando o primeiro vencedor na categoria Poesia.
prefiro as diferenças – ortográficas inclusive./ prefiro as franjas das possibilidades./ prefiro os primeiros cinemas – p&b mudo./ prefiro a estranha distância brecht.
A poesia também teve um traço na categoria Conto. A vencedora, Patricia Lima, 38 anos, é autora do livro de poesias "O Amor é Um Solo de Jazz", publicado pela editora Patuá. Agora, marca sua estreia com contos pelo Prêmio Sesc de Literatura. "A Glória dos Corpos Menores" traz 11 histórias que perpassam temas como envelhecimento, solidão, pessoas em situação de invisibilidade e/ou apenas sujeitos vivendo experiências extremas no silêncio de sua humanidade. "Há tópicos como suicídio, feminicídio e o desejo na velhice, mas esses não são o foco central – o verdadeiro fundamento reside nos personagens e em sua complexa relação com a existência", descreve a autora.
A construção dos personagens foi destacada pela escritora Verônica Stigger, jurada da categoria. "Patricia nos apresenta uma série de personagens que poderiam, em algum momento, ter cruzado nosso caminho, sentado no ônibus ao nosso lado, passado de carro pela rua onde moramos. São pessoas comuns, vistas em algum momento excepcional de suas vidas", afirmou.
Mesmo já tendo uma estrada no meio literário, a autora se emociona ao falar da conquista: "Receber a notícia de que meu livro foi premiado foi um momento inesquecível." Ela conheceu o Prêmio Sesc de Literatura com o livro "Réveillon e Outros Dias", de Rafael Gallo, em 2012, hoje autor consagrado de "Dor Fantasma", vencedor do Prêmio Literário José Saramago 2022. "Na minha opinião, o Prêmio Sesc é o mais relevante para autores estreantes no Brasil. Sua estrutura é impecável, com o envolvimento de profissionais altamente qualificados e experientes em literatura e divulgação. Oferece a oportunidade de publicação e garante circulação pelo Brasil para a divulgação. Ou seja, aproxima o escritor do seu objetivo principal: a palavra. O que mais um escritor pode querer?".
O cheiro dos queijos gastos e as cartas sobre a mesa eram as únicas testemunhas de nosso amor sem palavras. Minha família se reunia uma vez por mês para jogar buraco na casa do vô Gino. Éramos pouco instruídos na arte de expressar afetos, de forma que aqueles momentos de braços se esbarrando e olhares úmidos de gargalhadas eram formas seguras de nos gostarmos sem ter que falar absolutamente sobre isso.
A categoria romance revelou o escritor Ricardo Maurício Gonzaga. Professor do Departamento de Artes Visuais e do Programa de Pós-graduação em Artes da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) há 22 anos, o carioca divide seu tempo entre Rio de Janeiro e Vitória. Aos 66 anos, traz no currículo uma vasta experiência em artes, com ênfase em artes plásticas, atuando em temas como imagem, corpo, tempo, performance, arte pública e processos da criação. É também ator e já escreveu para teatro.
Na literatura, sua incursão inicial foi com contos. "Fui finalista duas vezes do Prêmio Sesc de Literatura na categoria Conto. Em 2022, publiquei a coletânea "Sobrenome Perigo" por meio de um edital da Secretaria de Cultura do Espírito Santo. O romance ‘Bololô – Gaiola Vazia’ nasceu a partir do primeiro conto desse livro", conta o autor.
"Bololô – Gaiola Vazia" é uma narrativa intensa e envolvente que acompanha a vida de Roque Perigo e seus irmãos. Um relato visceral sobre uma família lidando com traumas e a luta para encontrar sentido em meio à dor e à violência. "É uma narrativa da ausência, com personagens ensimesmados que aos poucos se impõem por sua autenticidade ficcional", conta o escritor Luis Antonio Assis Brasil, jurado do prêmio na categoria romance. "Participar desse júri foi, antes de tudo, tomar contato com um painel da literatura brasileira de nossos dias, com seus múltiplos temas, sua diversidade cultural e, sim, constatei que estamos muito bem, que nossa literatura pulsa mais do que nunca", declarou Assis Brasil.
A pedra veio voando e acertou o pai no meio da testa: pou! De onde veio essa pedra, meu deus, da mata, do lago, ninguém sabia. O pai caiu desmaiado num baque e um filete de sangue escorreu, primeiro fininho, depois foi engrossando, engrossando, virou rio, torrente, parecia que não ia parar nunca mais, Roque ficou com medo de se afogar.
No dia 3 de dezembro, Ricardo Maurício Gonzaga, Patricia Lima e Antonio Veloso Maia terão em mãos os exemplares de seus livros, apresentados em uma cerimônia no Sesc Copacabana. Com os novos vencedores, o Prêmio Sesc de Literatura chega à marca de 40 autores revelados ao mercado editorial. Desde sua criação, em 2003, mais de 22 mil obras foram inscritas. Além da publicação dos livros pela Editora Senac Rio, os ganhadores dessa 21ª edição receberão cada um o valor de R$ 30 mil.
*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha